Pesquisa aponta que houve crescimento no número de famílias que não se importam com cor da pele
O Distrito Federal é a única unidade da Federação em que o número de pessoas na fila de adoção que aceitam crianças pardas (94,13%) é maior que o de pretendentes que preferem crianças brancas (92,05%). Os índices nacionais são, respectivamente, 75,12% para crianças pardas e 92,34% para crianças brancas. Existem hoje no Brasil 36,5 mil crianças de acordo com dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em instituições de acolhimento à espera de uma família para chamar de sua.
Dessas, apenas 6.592 estão aptas para serem adotadas. As demais estão fora da lista porque mantêm vínculo com a família biológica ou porque o processo de destituição do poder familiar, indispensável para a consumação da adoção, ainda tramita na Justiça.
Dessas, apenas 6.592 estão aptas para serem adotadas. As demais estão fora da lista porque mantêm vínculo com a família biológica ou porque o processo de destituição do poder familiar, indispensável para a consumação da adoção, ainda tramita na Justiça.
Atualmente, das 6.592 crianças e adolescentes aptos à adoção no Cadastro Nacional de Adoção (CNA), 16,99% são negras, 48,86% são pardas, 33,48% são brancas, 0,3% pertencem à raça amarela e 0,36% são indígenas. Nos últimos seis anos, os números de pretendentes que aceitam somente crianças brancas têm diminuído.
Em 2010, os candidatos a pais adotivos representavam 38,73%, enquanto em 2016, 22,56% de pretendentes fazem essa exigência. Paralelamente a essa realidade, o número de pessoas que aceitam crianças negras subiu de 30,59% em 2010 para os atuais 46,7% do total de pretendentes do cadastro. Da mesma forma, o número de casais que aceitam crianças pardas aumentou de 58,58% para 75,03% nos últimos seis anos.
O vice- presidente da Comissão de Direito da Família da OAB, João Paulo de Sanches, critica as normas em vigor. “A nova lei de adoção, de 2009, veio para facilitar, porém a realidade do processo de adoção no Brasil é muito demorada. Ela vem com uma série de exigências que ao meu ver poderiam rever futuramente em uma nova legislação”. Ainda, de acordo com ele, o Brasil tem o problema de as legislações não acompanharem a realidade dos fatos sociais “O estado deveria simplificar o processo de adoção” avalia.
A adoção de crianças negras e pardas é maioria entre os processos que são mediados na Vara da Infância e da Juventude do DF (VIJDF). Segundo dados do CNA, das 52 adoções aprovadas no ano passado aqui no DF, 38 eram de crianças negras e pardas. Até o mês passado, só aconteceram 13 processos que também se encaixam nesse padrão.
A mãe de Bruna, a professora Maria*, 41 anos, sempre teve o desejo de adotar uma criança, desde muito jovem. O desejo só se intensificou depois que descobriu que não poderia gerar uma criança dentro do próprio ventre. “Adotar uma criança é um ato de amor, quando eu resolvi adotar minha filha Bruna*, eu sabia que tinha que transmitir todo meu amor para alguém” contou. A professora foi até a VIJ e tentou iniciar o procedimento, no entanto, ela relatou que sentiu muita dificuldade com o método burocrático. Por conta disso, o casal partiu para o nordeste em busca de uma criança. “Eu tenho muitos colegas que têm filhos adotivos que são de outros estados, todos legalizados, porque desistiram do processo demorado em Brasília”, concluiu a mãe.
*Bruna, 11 anos, conta que os coleguinhas perguntavam o porquê de ela ser moreninha e os pais brancos. Logo aos quatro anos de idade, surgiu a curiosidade e a menina perguntou à mamãe o porquê da diferença de cor. “Quando minha mãe me disse que eu era adotada, eu chorei, depois abracei minha mãe. No dia seguinte contei para todo mundo da sala que tinha duas mamães, embora não tenho nenhum desejo de conhecer minha mãe biológica” disse em meio a sorrisos.
PROCESSO
De acordo com o Estatuto da Criança e Adolescente (artigo 197A), o procedimento para a adoção só tem início mediante o atendimento a oito requisitos. O expediente é autuado e enviado ao Ministério Público, que pode requerer diligências e audiência para ouvir os postulantes, que são os casais que querem adotar e suas testemunhas (ECA, artigo 197B).
Os candidatos ficam sujeitos a um período de preparação psicossocial e jurídica pela equipe técnica do Juizado da Infância e Juventude, que deve atuar com o apoio de técnicos responsáveis pela execução da política municipal de garantia do direito à convivência familiar. A equipe interprofissional elabora um estudo para aferir a capacidade e o preparo do candidato ao exercício da paternidade.
Os casais obrigatoriamente têm que participar do programa que inclui preparação psicológica, orientação e estímulo à adoção interracial, de crianças maiores ou de adolescentes, com necessidades específicas de saúde, ou com deficiências e de grupos de irmãos.
Concluídas todas as etapas de preparação, o juiz determina a efetivação das solicitações do Ministério Público. Caso ache necessário, pode designar audiência de instrução e julgamento, para, finalmente inscrever o candidato no Cadastro Nacional de Adoção, cuja confirmação chega a demorar dois anos. Depois disso, é aguardar ser convocado.
Os interessados idealizam os filhos que desejam ter, por isso, elegem um perfil que corresponda aos seus sonhos. Daí a maior preferência por bebês ou crianças de pouca idade. Os candidatos são proibidos de visitar as instituições de acolhimento, não podem fazer trabalho voluntário. Sequer podem se candidatar ao programa chamado Apadrinhamento Afetivo.
Apesar de toda essa rigidez, para atender ao melhor interesse da criança, a lei admite exceções. Autoriza a adoção por candidato não habilitado, se comprovado o preenchimento de alguns requisitos. Entre essas exceções está o pedido formulado por parente ou por quem detém a tutela ou a guarda legal da criança com mais de três anos de idade, desde que comprovado vínculo de afetividade.
Jhonatham, 22, foi uma dessas exceções. Sua mãe biológica não tinha condições estruturais e emocionais de cuidar de uma criança. Sua patroa tocada pela situação da jovem, a ajudou durante toda gestação. Quando o menino nasceu, a mãe resolveu disponibilizá- lo à adoção. Na época, os pais do jovem decidiram ficar com ele porque já havia um laço afetivo com a mãe biológica. “Meus pais sempre me deixaram cientes que fui adotado, sempre mantive contato com minha mãe biológica. Mais aquele ditado é certo: mãe e pai são quem cria e dispõe de amor”.
QUEM PODE ADOTAR
O Estatuto da Criança e do Adolescente estipula que os adotantes sejam maiores de idade e tenham no mínimo 16 anos a mais que o adotado. Solteiros, viúvos e divorciados com condições socioeconômicas estáveis também podem se candidatar. Os pretendentes não podem ser dependentes de álcool e drogas ou morar com pessoas que tenham esse perfil. Os interessados devem procurar o fórum com RG e um comprovante de residência. Após análise e aprovação da documentação, eles serão entrevistados pela equipe técnica da Vara da Infância e da Juventude.
*Os nomes foram alterados para preservar a identidade das entrevistadas.
Por Vanessa Santos