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Isolados por opção ou excluídos pela sociedade?


"O mundo lá fora está cobrando muito caro" diz Izabel, portadora do vírus HIV e vítima do preconceito.

Ainda hoje a realidade precisa de mudanças. O preconceito e as dificuldades que um portador do vírus HIV sofre os motivam a se manter cada vez mais longe do mundo "lá fora". 170 pessoas moram em uma comunidade no Recanto das Emas e vivem afastadas, quase isoladas, do que as atinge. Será que isso é uma opção ou que nós que os excluímos?

Conheci a Fraternidade Assistencial Lucas Evangelista (Fale), uma comunidade construída para abrigar pessoas soropositivas. A iniciativa foi de Jussara Santos Meguerian, 63 anos, em Uberlândia (MG), em 1991. A fundadora contou que começou a acolher portadores do vírus no próprio lar. Movida pela indignação com o preconceito que os soropositivos sofriam, ela trouxe para dentro de casa quem era motivo de pânico na cidade. Naquela época, quando o vírus ainda era novidade, o medo dominava a sociedade. Jussara mesmo foi vítima da falta de informação alheia quando resolveu ajudar os que precisavam. "Era terrível. As pessoas se afastavam lá de casa, nós tivemos problemas com as vizinhas que ficaram com medo", ressaltou a administradora do lugar.

Em 1995, a Fale se duplicou, e hoje possui duas sedes: uma no Triângulo Mineiro e uma no DF. Famílias inteiras se acomodam em 43 casas, nem todos os moradores são soropositivos. O medo do preconceito e das dificuldades assusta os habitantes, e muitos não veem a possibilidade de sair. Marcelo, desempregado e cego em decorrência da doença, mostrou que a falta de emprego para pessoas nessas condições os impede de viver inseridos na sociedade. "Oportunidade de trabalho lá fora, nós não temos. Não queira se enganar, porque você vai sofrer. Eu tenho um salário porque eu perdi a visão, até então, eu nunca tinha recebido nada”. A mulher do desempregado, Íris, se emocionou ao dizer que vontade de ter a própria casinha eles têm, o que está faltando são as oportunidades de realizar esse sonho. Uma pesquisa encomendada pela IAPAC (Associação Internacional de Médicos no Atendimento à AIDS) mostra que uma das maiores preocupações do portador é   com o fato das pessoas terem conhecimento que ele possui o vírus HIV.

"A Fale pra quem quer mudar é uma ótima casa", conta Íris, moradora da comunidade soropositiva.

Outro ponto que me fez refletir foi o jeito como os moradores falam da comunidade. Para eles o que existe ali é mais que um lugar pra morar, é uma família. Muitas vezes, nas entrevistas por mim realizadas, escutei palavras como "Casa", "família", "proteção", dentre outras que mostravam a representação do local para aqueles que lá residem. É como se, dentro da Fale, eles pudessem ser quem são, sem ter que sofrer preconceito ou indiferenças. Ali todos são iguais, não importa a necessidade. Izabel Cristina, também portadora do vírus e moradora, me contou que todos se ajudam sem medir esforços, pois já passaram ou presenciaram os problemas que a doença traz. "Hoje eu sou outra  pessoa, eu vejo o mundo completamente diferente. Através da Casa e das pessoas que moram aqui. Aqui é um paraíso". Na matéria da Agência de Notícias o entrevistado Gabriel Estrëla contou um pouco da sua vida depois de descobrir que era portador. 

Na comunidade nem todos são soropositivos. Conheci uma menina de 20 anos, Ana*, que é filha de uma portadora, mas não possui o vírus. Ela desabafou que não importa, só de morar no lugar já sofre preconceito. "Eles  sabem que a gente mora aqui. Então, pensam que somos portadores. Nós somos apenas os filhos". A menina diz que, para deixar pra trás a descriminação, está estudando e pretende sair da comunidade com os filhos e marido. O trabalho “O HIV e a AIDS: preconceito, discriminação e estigma no trabalho” mostra como a doença é associada aos termos.

*Ana preferiu não ter o nome verdadeiro exposto na matéria.
Depois dessa experiência e da conversa que tive com os moradores, pude perceber que a "Casa" é um refúgio para eles. Como se o preconceito e as diferenças fossem deixadas do lado de fora do portão.

http://issuu.com/blogdoesquina/docs/isolados_pela_aids
Por Kimberly Dias