Aumento de 74,4% dos casos de acidente com escorpião no último ano chama atenção para o baixo quantitativo de antídoto nas unidades de saúde do DF
As capitais Brasília, Campo Grande, Cuiabá e Goiânia foram
responsáveis por mais de 72% dos casos de acidentes com escorpião em toda a região centro-oeste, de 2007 a 2014. É o que aponta o estudo
“Acidentes com escorpiões nas capitais brasileiras”, da Universidade Católica
de Goiás (UCG), publicado em outubro de 2015. Já no Distrito Federal, segundo a
Vigilância Epidemiológica da Secretaria de Saúde do DF, os atendimentos a pessoas picadas por escorpiões
passaram de 524, em 2014, para 914 notificações de atendimentos, em 2015. Esse
aumento corresponde a 74,4%.
Segundo informações da Fundação
Oswaldo Cruz (Fiocruz), todas as espécies de escorpião são venenosas e esse
veneno é neurotóxico, cuja ação é muito rápida e forte. Entre as mais de mil
espécies descobertas, somente um pequeno número é, de fato, perigoso para as
pessoas. A maioria produz uma reação parecida à ferroada da abelha, que é muito
dolorosa, mas usualmente não oferece perigo de morte. A dor é intensa e se
irradia por todo o corpo da vítima. A ação ocorre especialmente sobre o sistema
nervoso, podendo causar a morte por asfixia, já que os comandos que controlam a
respiração ficam bloqueados. De acordo com a instituição, o soro antiescorpiônico
é o único remédio realmente eficaz contra as ferroadas dos escorpiões.
Peçonhento
Escorpiões saem dos refúgios
subterrâneos e, diferentemente de outros peçonhentos como as cobras, são mais
facilmente encontrados no ambiente urbano. Conforme Fabricius Domingos, pesquisador de
pós-doutorado no Laboratório de Herpetologia na Universidade de Brasília (UnB),
o que leva esse animal a picar outro ser é simples. “De maneira geral, todo
animal que possui peçonha irá utilizá-la para se defender de possíveis
predadores, e para atacar suas presas”, apontou. Ele explica que, em Brasília,
o escorpião-amarelo (tityus serrulatus) é comumente encontrado em casas e
apartamentos, e deve ser procurado atendimento médico caso a pessoa seja
picada. Já os escorpiões pretos, no Distrito Federal, são inofensivos.
Domingos pontifica que o soro contra o veneno de
animais peçonhentos trata-se de uma solução de diversas proteínas que se ligam
quimicamente ao veneno, eliminando sua ação dentro do organismo. “De maneira bem
simples, é como se as moléculas do soro capturassem as moléculas do veneno,
inutilizando as mesmas”, destacou. Segundo o pesquisador, os soros são
produzidos pelo Instituto Butantã em São Paulo e pelo Instituto Vital Brazil no
Rio de Janeiro, e enviado para todo o país.
Dificuldade de assistência
Moradora de Taguatinga, Lorenna Karollinny, 20, foi
picada por um escorpião quando saía do banho, em maio do ano passado. “Ele
estava preso na minha toalha, caiu no meu pé e picou meu dedo”, conta. Quem
prestou socorro foi o pai, que a levou aos Hospitais Santa Marta e Alvorada e
nos dois receberam a mesma informação: iniciar um atendimento não iria
resolver, já que não tinham antídoto e indicaram que eles procurassem um
hospital público. Ao chegarem no Hospital Regional de Taguatinga (HRT) se
depararam com mais uma frustração: não havia médico. “Uma funcionária informou
que já tinha aparecido outra menina naquele dia que também tinha sido picada,
não recebeu nenhum atendimento, e foi mandada para casa como eu”, disse a
jovem. Lorenna teve que
entrar em contato com um médico amigo da família e
foi tratada somente com anti-inflamatório. Por ter ficado sem o antídoto, a
recuperação foi mais lenta e dolorosa, além do local da picada ter apresentado
muito inchaço.
A filha de Andréa teve atendimento negado em dois hospitais particulares (Foto: Ana Luiza Campos) |
A assessora de imprensa, Andréa Sekeff, 47, passou
um sufoco com a filha que também foi picada no pé por um escorpião. Desta vez,
em um restaurante no Sudoeste. Gabriela Sekeff, 22, foi sorrida por policias
militares que estavam próximo ao local e a levaram para o Hospital Santa Lúcia
e, em seguida, ao Santa Luzia. Nas respectivas unidades de saúde, o atendimento
foi negado e funcionários indicaram que a jovem fosse levada ao Hospital Regional
da Asa Norte (HRAN). “Ela só conseguiu ser atendida naquele dia, à noite, no
HRAN, porque ela estava dentro de um camburão”, relatou Andréa. Segundo a mãe,
Gabriela sentiu muita dor no local da picada, além de ardência, tremor e, por
fim, ela teve dificuldade para se articular, mal conseguia falar. Somente três horas
após o antídoto ter sido ministrado, a jovem sentiu melhora. As duas
ainda passaram a noite no hospital. Um exame de sangue foi feito de após 12
horas para verificar se a situação estava normalizada, e Gabriela, então, teve
alta.
O pesquisador Fabricius Domingos explica que a
região picada varia de acordo com o veneno injetado, mas é esperado que a
pessoa sinta dor, que a área fique sensível, e que possa ficar bem avermelhada
devido à inflamação local, ou mesmo preta caso o veneno ataque o músculo. Segundo ele,
caso a pessoa seja tratada rapidamente, não são esperados efeitos de longo
prazo no organismo, mas a pessoa pode adquirir alergia ao veneno ou ao soro,
dificultando seu tratamento caso seja picada novamente.
A Secretaria de Saúde informou que o soro antiveneno é distribuído aos
Estados pelo Ministério da Saúde e que, desde o ano passado, encaminha um
quantitativo inferior do que o normal. A pasta esclareceu que atualmente a rede
recebe 50 ampolas por mês no Distrito Federal, sendo que, anteriormente este
quantitativo era de 150 unidades. Informaram também que todos os hospitais do
DF possuem o soro, mas em quantidade reduzida. Como a maior procura dos pacientes é no Hospital Regional
da Asa Norte (HRAN), esta unidade é a que recebe um quantitativo um pouco maior
do que os demais.
Precauções
Vários fatores provocam o desalojamento do escorpião, conforme informou
a Secretaria. Como, por exemplo, o uso de inseticida; reformas estruturais,
construções e acúmulo de entulho; limpeza de fossas, caixa de gordura, esgoto e
bueiros; e as chuvas que provocam o alagamento dos esconderijos desses
aracnídeos, trazendo-os para a superfície.
A Diretoria de Vigilância
Ambiental em Saúde (Dival), da Secretaria de Saúde do DF, possui Núcleos
Regionais de Vigilância Ambiental (Nurvas), com equipes de técnicos
responsáveis pela realização das inspeções em toda a região. Estas acontecem
perante solicitações realizadas pela população - por telefone, e-mail e
documentos oficiais. As inspeções buscam identificar as condições favoráveis
para o acesso e abrigo dos animais peçonhentos, recomendar medidas corretivas e
capturar espécimes encontradas.
De acordo com a Secretaria, a
diretoria possui ainda o Núcleo de Vigilância Entomológica e Animais
Peçonhentos (Nuvep), responsável pela identificação, montagem de coleção
biológica e encaminhamento de espécimes vivos para o Instituto Butantan em São
Paulo para obtenção de veneno e produção de soro. Além disso, é realizada a
consolidação dos dados, análise dos riscos ambientais em relação a acidentes
por animais peçonhentos.
Arte: Fernanda Roza |
Crime ambiental
“Matar qualquer animal silvestre -
incluindo o escorpião -, é considerado crime ambiental no Brasil, então isso
jamais deve ser feito”, destaca Fabricius Domingos. Ele explica que a captura é
uma atividade perigosa e que não é recomendado que as pessoas tentem fazê-la
devido ao risco de serem picadas. O correto ao encontrar um animal peçonhento
em área doméstica é buscar socorro. No caso de escorpiões em região urbana, a
Dival deve ser acionada pelo telefone (61) 3341-1900. Caso seja picada, a
pessoa deve procurar atendimento médico o mais rápido possível. Outros auxílios
e informações podem ser solicitados gratuitamente pelo Centro de Informação
Toxicológico pelo 0800-6446-774.
Confira a versão impressa para o Jornal Esquina:
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Por Ana Luiza Campos