Por meio da leitura, vivem-se aventuras e descobrem-se novos horizontes
Foto: Íris Cruz
“O contador de histórias é o mediador da leitura, pessoa valorosa no despertar no gosto pela curiosidade, encantamento e compartilhamento daquilo que lê e interpreta”
A psicopedagoga Anna Cristina de Araújo explica que a presença das histórias e da ficção na vida de jovens e adultos é de extrema importância. Mas, já que as crianças giram em torno do mundo da fantasia, para elas a contação tem a missão de explorar os encantos da imaginação.
“Nenhuma sociedade tem ignorado o valor do contador de histórias, mas com a vida contemporânea algumas famílias têm perdido esse hábito, por isso os contadores têm assumido a tarefa em espetáculos, feiras, saraus e encontros”
Segundo ela, ser um contador de histórias vai além de ler livros em voz alta, “O contador é performático, são artistas que decoram textos e muitas vezes se vestem de forma adequada para dar a luz da fantasia”.
Voz nas ruas
Já que o amor recebido dos pequenos é a grande realização no trabalhos dos contadores de histórias, encontros voluntários são a essência da profissão. Seguindo o modelo de afetividade familiar, a psicóloga Laís Melo lê para crianças nos jardins da Superquadra 315 Norte, aos domingos. O único pagamento são sorrisos estampados no rosto da criançada.
“A ideia é poder levar a leitura para um lugar diferente, aberto, onde a gente possa sentar no chão, na sombra das árvores, e se divertir”
Em História em Quadrinhas, Laís Melo mostra que a leitura é mais prazeroso em ambientes naturais
Foto: Arquivo Pessoal
Nomeado História em Quadrinhas, o projeto tem como objetivo incentivar o hábito da leitura em ambientes descontraídos e proporcionar a troca de carinho por meio dos livros. Como explica Laís, História em Quadrinhas surgiu de uma paixão de infância, que voltou a florescer depois de participar de um curso do meio.
Para conquistar o mundo
“Tanto a contação de histórias quanto o teatro tornam a língua mais lúdica e quebram a barreira com um novo idioma”
"Ao ouvir histórias, podemos aprender outro idioma", Julianna Zancanaro
Foto: Allan Santos
Atriz e contadora de histórias, Julianna Zancanaro despertou o olhar para a contação por meio das artes cênicas. Hoje, além de atuar em espetáculos, ela trabalha com histórias em espanhol no instituto Cervantes. Segundo Julianna, por mais que a criança não tenha conhecimento do idioma, o interesse e a vontade de aprender sempre predominam no ambiente.
“Já que a língua é diferente, sempre faço gestos que ajudam na compreensão e por mais que diga que se não entenderem também posso falar em português, eles nunca pedem”
Olhar com cultura
Já que por meio da leitura a gente pode conquistar o mundo, autores trazem livros infantis, que retratam a realidade cultural de diferentes países, para a literatura brasileira. Conheça alguns contos e livros africanos para ensinar a criançada as riquezas desse continente tão longe e tão perto.
Paixão de todas as idades
“A minha história como contadora parte da minha história como leitora”, escritora e jornalista, Alessandra Roscoe se denomina mediadora de leitura. “A contação é um recurso a mais para chegar aos livros”, segundo ela, o incentivo à leitura é de extrema importância para todas as faixas etárias e, do trabalho com públicos desde bebês até idosos, é preciso usar a arte da conquista.
“Meus trabalhos têm públicos muito específicos e preciso fazer parte do mundo deles e respeitar o tempo”
"As histórias para bebês e idosos têm o fio condutor do afeto", Alessandra Roscoe
(Foto: Arquivo Pessoal)
Alessandra trabalha com a contação dos próprios livros e faz leituras para bebês e idosos, principalmente pacientes de Alzheimer. Ela diz que não importa a idade, os contos encantam a todos.
“Comecei a fazer leituras para idosos de uma maneira inesperada, fui convidada para fazer uma contação na UnB e achava que era para crianças, só que quando cheguei lá eram pessoas mais velhas”
Ao lembrar do momento, Alessandra se emociona de diz: “Li a história Caixinha para guardar o tempo e depois pedi para cada um contar o que guardaria na caixinha da memória; entre tantas respostas, um senhor contou detalhes da vida na infância e, quando descobri que ele não falava há seis anos por causa dos problemas da doença, me emocionei”. Segundo Alessandra, por meio das histórias, é possível despertar a vontade de viver.
Da raiz à capital
Conhecido como contador de histórias da Amazônia, o ator Joca veio a Brasília para mostrar à criançada os encantos da cultura brasileira. Por meio dos contos, ele dá voz a narrativas cheias de poesias. De lembranças indígenas a tradições de interior, Joca incentiva os pequenos da cidade grande a valorizar a simplicidade.
“Gosto de coletar histórias peculiares de cada local e de ter uma relação muito próxima com grandes mestres, para transmitir aprendizados de um jeito fiel à cultura tradicional”
Segundo ele, já que é palhaço, usar a palhaçaria como ferramenta para a arte de contar histórias é um dos diferenciais do trabalho.
“As possibilidades para contar historias são muitas e não me prendo a uma forma específica, gosto de proporcionar um ambiente de misticismo; mas há várias possibilidades de fazer isso”
Com os encantos da tradição indígena, escritores como Graça Graúna, Yaguarê Yamã e Daniel Munduruku transformam as tradições orais das aldeias em páginas de livros. Conheça o trabalho desses autores em destaque na literatura brasileira de raiz.
Profissionalização
“Acreditamos no fortalecimento da profissão, e já que é um trabalho feito com amor, está baseado no social”
Nas palavras de Maristela Papa, presidente da Associação Amigos da História, o mercado dos contadores de história é promissor e abriga muitos talentos, mas ainda precisa ser valorizado. Há 21 anos no cenário brasiliense, a Associação contempla mais de 60 profissionais, que defendem a necessidade de uma formação adequada para transmitir o conhecimento.
“Trabalhamos interferindo em outras áreas, que vão desde costureiras a bonequeiros e cenógrafos”
Segundo Maristela, não basta saber ler para ser um profissional do meio. Para dar voz aos contos é necessário dominar a arte da encenação e ter disposição para brincar. Como explica a educadora, o reconhecimento desses profissionais é desejado em todo o Brasil. Já que em Brasília se comemora a semana do contador de histórias em meados do dia 16 de março, o próximo passo é conquistar uma celebração nacional e conseguir a profissionalização da atividade.
“Quando falamos da profissionalização, não podemos esquecer dos métodos que já existem e da oralidade passada por gerações, mas destacamos a utilização correta da voz e do corpo”
Mais de 60 contadores de história fazem parte da Associação Amigos da História
(Foto: Divulgação)
Em 2014, Willian Reis, criador da Associação, pediu um Projeto de Lei para que haja a semana nacional dos contadores de histórias, a ser comemorada na data de morte de Câmara Cascudo - 30 de julho. O projeto está em tramitação na câmara dos deputados e pode ser votado em abril de 2016.
“Vamos mostrar ao mundo que o Dia internacional do Contador de Histórias nasceu na Suíça, mas é comemorado no Brasil, na cidade Patrimônio Cultural da Humanidade que é bela, não apenas por sua arquitetura, mas pelas pessoas que amam viver da arte”
Amor pela contação
Mãe de Mariah e Francisco, Marina Machado ressalta que a contação de histórias estimula a criatividade e a expressividade, além de aumentar o contato com as construções culturais.
“As histórias funcionam como mediadoras de temáticas importantes para o diálogo entre pais e filhos, além de favorecer um momento lúdico entre crianças e adultos”
Segundo ela, mesmo com deficiência auditiva, os filhos acompanham as narrativas com a ajuda de recursos visuais. Porém, ela acredita que as atividades dos contadores de histórias precisam ser mais inclusivas.
“A inclusão faz com que crianças em diferentes condições de desenvolvimento tenham a possibilidade de entrar em contato com a riqueza da história a partir da utilização de recursos variados”
“A inclusão faz com que crianças em diferentes condições de desenvolvimento tenham a possibilidade de entrar em contato com a riqueza da história a partir da utilização de recursos variados”
A pequena Mariah gosta das histórias que têm o lobo como personagem
(Foto: Jacque Lisboa)
Já que os direitos humanos também podem ser trabalhados de maneira descontraída por meio dos livros, veja dicas de leitura que valorizam o tema.
No lar
Mãe do pequeno Ian, Ananda Yamasaki diz que, aos três anos, o filho desperta a curiosidade por meio das histórias.
“A forma como ele vivencia os contos é intensa, a sensação que eu tenho é que a história é uma realidade para ele; ele participa da fantasia”
Luta pela leitura
Jornalista e cineasta, Roberto Seabra fez da vontade de que existam mais bibliotecas públicas em Brasília, a voz do movimento Eu apoio o Centro Cultura da Asa Norte e do documentário Leitores sem Fim. Com o objetivo de construir um espaço voltado à cultura no lugar do antigo Caje, Seabra criou, em 2014, o projeto Eu apoio o centro Cultura da Asa Norte, que visa construir uma biblioteca aberta à comunidade no local.
“Existe um equipamento que une educação e cultura, esse equipamento é a biblioteca”
Em 2015, o diretor começou a produção do documentário Leitores sem Fim, que foi lançado em fevereiro deste ano. A partir de histórias inspiradoras, que simbolizam a superação pessoal e social por meio da literatura, Seabra construiu uma narrativa singular, na qual mostra a situação da leitura no Brasil e o novo modelo que se pretende criar de bibliotecas e espaços culturais.
Confira a reportagem feita para o Jornal Esquina:
Confira a reportagem feita para o Jornal Esquina: