Sete horas da manhã de uma quinta-feira típica na Rodoviária do Plano
Piloto. Filas se formam na plataforma inferior do local a espera da chegada e
partida dos ônibus. Em meio à correria uma chama atenção devido ao tamanho e
aos passageiros que, em sua maioria, vestem branco: é a linha 0111- Expresso Papuda. O destino é o Complexo Penitenciário, em São Sebastião. São
jovens, idosos e crianças que toda semana repetem a dura jornada para visitar
os parentes que cumprem pena no local. Em meio a multidão um rosto se destaca,
é Bianca Soares*, 19 anos, estudante, que vai ao Centro de Detenção Provisória (CDP)
visitar o namorado, 18 anos, acusado de roubo. A jovem afirma que para fazer a visita
precisa faltar um dia no trabalho e enfrentar a família que não aprova a situação "Eu venho
escondida. Se minha mãe souber que eu estou aqui ela me mata. A essa hora acha
que estou no serviço.", assegura. Após o trajeto de, aproximadamente 30
minutos, ela chega à unidade prisional e vai para a entrada, onde outras
pessoas já aguardam o ingresso.
*Bianca Soares, nome fictício utilizado para preservar a identidade da personagem
*Bianca Soares, nome fictício utilizado para preservar a identidade da personagem
Entrada do Centro de Detenção Provisória em São Sebastião |
Com a sacola em uma das mãos e a chave do carro em outra, uma senhora
chega ao Centro de Internamento e Reeducação (CIR). É Lucineide Gonzaga, 38 anos,
administradora, que há sete meses tem a mesma rotina: toda quinta feira vai à
penitenciária de Brasília ver o filho, 20 anos, condenado por roubo. Para
encontrá-lo a mãe enfrenta o preconceito da sociedade e os olhares feios no
trabalho toda vez que pede a dispensa. "É complicado, a gente trabalha e tem
uma vida muito corrida. Muitos viram a cara e julgam quando sabem o motivo das
minhas faltas, mas temos que enfrentar. Não podemos abandonar",
afirma.
Atualmente, mais de 15 mil homens cumprem pena no presídio do Distrito
Federal. Mães, pais, idosos, crianças e esposas aguardam ansiosamente para
rever os parentes que estão privados da convivência diária com a sociedade. As
visitas acontecem nas quartas e quintas, semanalmente ou quinzenalmente, de
acordo com o estabelecimento prisional que estão detidos. Para a autorização de
entrada é necessário que o detento cadastre até dez pessoas, sendo permitido o
ingresso de apenas quatro visitantes por dia. O registro deve ser feito com 15
dias de antecedência podendo variar de acordo com as normas do local. A visita
é iniciada às 9h e se encerra às 15h, mas a entrada é permitida somente até às
12h.
Em agosto de 2015, foi desenvolvido o programa Visita Cidadã que
distribui senhas on-line para facilitar o atendimento e evitar filas formadas
na penitenciária. Segundo o Promotor do Núcleo de Controle e Fiscalização do Sistema Prisional, Marcelo Teixeira, o sistema é uma alternativa para
solucionar o problema. “Inclusive requisitamos informações para fazer um
diagnóstico de como essa senha online efetivamente está melhorando o andamento
das filas.”
Familiares a espera do horário de visita no CDP, na Papuda |
O próximo passo é a realização da revista obrigatória. O procedimento é
imposto a todos os visitantes e, na maioria das vezes, é alvo de críticas. “Eu
acho muito constrangedor, mas fazer o quê? É filho, a gente tem que passar por
isso”, relata o aposentado Zeferino Tavares, 72 anos, que visita seu filho
há oito meses e, apesar de estar acostumado com a situação, não se sente
confortável com o processo. O sistema prisional conta com máquinas de raio-x,
mas os aparelhos não suprem a demanda e, por isso, os visitantes acabam tendo
que se despir para serem revistados.
Pela falta de aparelhos, alguns dos visitantes são submetidos a
realizar a revista íntima, feita em cabines individuais onde o familiar, sem
vestimentas, é fiscalizado. Dona Leila, que visita seu filho preso por roubo,
já realizou o procedimento e defende a prática, que apesar de invasiva, se
torna indispensável. “Mesmo não tendo vergonha é uma humilhação,
mas só quem é mãe entende. Se fossem liberar sem revistar, as pessoas iam
entrar com qualquer coisa. Se com a revista já entram, imagina sem”,
acrescenta.
Segundo o representante do Ministério Público do Distrito Federal e
Territórios (MPDFT), Marcelo Teixeira, apesar do procedimento ser invasivo, é
necessário, uma vez que um grande número de pessoas ainda tenta entrar no local
com objetos ilegais, como drogas, armas e telefones. “Não é um problema muito
simples, a solução seria scanners potentes e aptos a diagnosticar adequadamente
a situação. Estamos trabalhando com essa questão, mas ainda não existe uma
solução definida.”, explica.
Outra condição imposta ao visitante é a obrigatoriedade do uso de
calça, blusa e chinelos brancos. Relógios, brincos, pulseiras, sapatos,
apliques de cabelo e bolsas não são permitidos na entrada. Cada detento tem o direito de receber seis
frutas, quatro pacotes de bolacha e materiais de limpeza e higiene pessoal.
Além disso, os familiares são autorizados a levar uma quantia em dinheiro para
os presos adquirirem produtos oferecidos em um minimercado situado no interior
de cada ala. O valor varia entre R$ 125 e R$150.
Por último, o encontro ocorre no pátio, onde os presos aguardam
ansiosamente os visitantes que trazem palavras de apoio, força e carinho, para
que seja alimentada a vontade de mudança e a esperança de uma vida diferente
após a liberdade.
A presença e o apoio da família são mecanismos de extrema importância
para a reinserção do detento na
sociedade. É o que diz a psicóloga Sylvia Senna, especialista em família
"A partir do vínculo emocional e afetivo que os familiares vão ajudar essa
pessoa a se regenerar e a ultrapassar esse momento de dificuldade, fazendo com
que eles tenham uma expectativa de vida após o cumprimento da pena.",
confirma.
Dedicação que rompe muros
Há três anos as idas à Papuda fazem parte da rotina de Maria Dolores da
Penha, 49 anos, mais conhecida como Dona Leila. Apesar de enfrentar algumas
dificuldades, ela ressalta a importância de não deixar o filho de 32 anos
sozinho nessa situação. “Eu venho porque mãe não pode abandonar. Se
abandonar, eles saem piores”, afirma.
Dona Leila, que sai da Ceilândia para ver o filho, geralmente faz a
visita acompanhada do marido e da neta de apenas cinco anos, filha do detento.
A dona de casa conta que a criança, que mora com ela, sempre pede para ver o
pai e que não esconde o motivo de ele estar preso. “Conto que pegou coisa dos
outros e que não podemos fazer isso. Uma criança de cinco anos já entende.”
A tranquilidade de saber que o filho não está nas ruas bebendo e usando
drogas, sustenta a fé e a esperança de que exista uma mudança no coração e
mente do detento. “Tudo o que Deus faz é de uma forma maravilhosa e creio que é
uma vontade Dele. Dentro do presídio tem Igreja e pessoas para pregar a palavra
do Senhor. Muitos mudam, mas a iniciativa tem que vir deles.”
Amor além das grades
Há um ano, Mércia Luiza Soares, 25 anos, visita o marido, de apenas 20,
condenado por roubo. A estudante reconhece as dificuldades enfrentadas para
estar toda semana na penitenciária. “Eu estou desempregada e raramente tenho
dinheiro para trazer, mas mesmo assim não deixo de vir. Ele diz para eu estar
aqui nem que seja sem nenhum centavo.”, conta.
Em meio à tensão, Mércia não deixa de lado a vaidade. Antes do
reencontro, a estudante se maquia e produz o cabelo no local. O amor faz com
que a jovem ultrapasse momentos desconfortáveis e se dispõe a fazer, também, a
visita íntima. “É em um quartinho chamado parlatório. O nome do casal é dado na hora
junto com o documento que comprove a união. O tempo de permanência é de 30
minutos em um espaço pequeno com um colchão de casal e banheiro.”,
explica.
A morada da Ceilândia repete toda quinta-feira o trajeto de ônibus,
pegando a linha 0111 Expresso Papuda em direção ao Centro de Internamento e
Reeducação (CIR). A esperança e o amor dão forças para encarar a dura jornada.
“Eu venho porque vejo que o cara muda com a presença e os conselhos da família.
Ele sempre me ajudou e não vai ser agora que vou virar as costas e
abandoná-lo.”
Por Anne Arnout, Juliana Lauermann e Vicky Pisco
Por Anne Arnout, Juliana Lauermann e Vicky Pisco