Locadoras de DVDs apostam na diversificação do serviço para manter as portas abertas
Ao atravessar a porta de entrada o ambiente climatizado alivia o desconforto do calor escaldante das tardes brasilienses. À direita, dois freezers – um com bebidas e outro de sorvetes. No fim do primeiro corredor se vê uma arara expondo camisetas estampadas com iconografias do cinema. Ao circular pelo ambiente avista-se engradados de refrigerantes e embalagens de papel higiênico que estão pelo chão. No caixa, uma atendente conversa com casal de clientes. A TV fixa à parede roda filme sem som. As prateleiras exibem enorme acervo de DVD, mesmo com a baixa procura. À parte, outra estante põe a venda algumas obras a preços modestos. O que antes era ponto de encontro para os amantes do cinema compartilharem experiências, hoje recebe mais visitantes interessados em comprar uma simples garrafa d’água ou pacote de balas. Videolocadoras tiveram, durante muito tempo, uma participação significativa no ciclo de vida de um filme. Até pouco tempo atrás, antes da chegada dos serviços On Demand e de Video Demand, o produtor ou o distribuidor de filmes sabia que 25% da renda dele viria das locadoras. É o que relata o cientista social e produtor cinematográfico Norlan Silva, ao esmiuçar o momento de declínio vivido pelos serviços de locação de filmes. Norlan conta que, com o passar do tempo, o avanço tecnológico prejudicou as locadoras. A transição do VHS para o DVD e a mudança do DVD para o Blue-Ray impactaram no estoque, e isso tudo teria causado uma retração nos negócios. “Com a democratização da TV a cabo e o aumento do preço do DVD para se ter a antecipação na locadora, a internet possibilitou que as pessoas optassem por assistirem seus filmes, piratas ou não, pelo computador. ”
Fachada da locadora Cult Video na Asa Sul.
Foto: Ricardo Rocha.
Fachada da locadora Cult Video na Asa Sul.
Foto: Ricardo Rocha.
Para André Costa, dono da locadora Cult Video, que já chegou a ter cinco unidades, mas hoje tem apenas uma na 215 sul, o momento do mercado de videolocação é praticamente de extinção. “Não existem mais locadoras de vídeo em Brasília. Eu ouvi dizer que tenho a última, mas não sei se isso é verdade.”, opina André.
O empresário, que teve de fechar a última loja na Asa Norte, hoje também empreende em uma lanchonete próxima à única locadora restante. Ele conta também que, com o advento da banda larga de qualidade no Brasil e com o aparecimento dos serviços de streaming, as opções para assistir a um filme aumentaram, ficaram mais baratas ou mesmo de graça. E que os custos envolvidos para se manter a estrutura física de uma locadora – aluguel, impostos, salários – acabaram por inviabilizar o negócio. “As locadoras foram fechando as portas inevitavelmente. Você tem o custo muito alto, e a demanda diminuindo muito, a tendência é fechar. O que aconteceu com a grande maioria das locadoras de Brasília”, justifica o André.
Mas o declínio da demanda pela locação de filmes não abateu o entusiasmo do empresário, que encontrou na diversificação dos serviços e no mercado de nicho, as estratégias para levar o seu trabalho adiante. “A gente trabalha também com blockbuster, mas foca muito no acervo de filmes cult, filmes de arte, europeus, de grandes diretores, documentários...” André explica que esses filmes não são facilmente encontrados nos serviços de streaming disponíveis hoje, e que mesmo para downloads são difíceis de encontrar. O que acaba possibilitando reunir na loja um público cativo. “Uma galera que gosta desse cinema de arte, lançamentos de arte, e que hoje praticamente não saem em lugar nenhum. Brasília respira e tem vocação para o cinema.”
André costa, proprietário da Cult Video
Foto: Arquivo pessoal.
É o que também acredita o cientista social Norlan Silva. “As locadoras diversificaram. Viraram pizzaria, conveniência, farmácia...” O também produtor cinematográfico explica que a melhor saída é transformar o negócio num ponto de convergência de vários interesses. Dessa forma, o faturamento vem não somente da locadora, mas de outros serviços a serem oferecidos em conjunto.
Mas há também quem continue planejando essas adaptações. Fernando Pagani, proprietário da Loc Video em Águas Claras, até o presente momento se concentrou no corte de gastos da loja, para adequar as despesas à receita. O empresário, que já teve de fechar uma de suas lojas na Asa Sul, encara com resiliência o tempo de mudanças, e acredita que vão sobrar poucas lojas. “A perspectiva é diversificar os serviços prestados. Ainda não sei que tipo de serviço eu pretendo agregar. Mas tem que ser alguma coisa ligada ao produto da loja. No caso, DVDs”, declara Fernando.
Já numa proposta mais ampla de atuação, André Costa tem apostado em alternativas mais variadas para atrair público. Ele conta que há cinco anos inaugurou na sobreloja um espaço voltado para a realização de cursos, principalmente na área de audiovisual. “A gente realiza cursos de direção para cinema, de roteiro, linguagem de documentários, história do cinema, e vários outros.” Com isso André conseguiu ter bastante gente circulando dentro da loja, aumentando o faturamento, diluindo custos e, principalmente, conquistando o público amante de cinema. Este acaba consumindo também as locações. “Eu acho que foi a grande estratégia para gente conseguir estar vivo até hoje”, opina.
Em relação ao futuro, acredita que a tendência é a transição. “Se eu fosse prever o futuro, a Cult seria uma escola de cinema. A gente está trabalhando, não ainda com este propósito, mas paralelamente nesse propósito, investindo ainda na locadora, mas investindo bastante nos cursos.”
Um panorama geral
Norlan Silva, além de cientista social e produtor cinematográfico, também é o proprietário da La Nave, uma escola de formação profissionalizante, incubadora-aceleradora e fomentadora de projetos audiovisuais. Trabalha no segmento há 25 anos. O entusiasta do cinema, que também já foi dono de locadora, detalha algumas partes dos eventos que levaram ao declínio do modelo tradicional de locadoras de filmes.
Norlan Silva, cientista social e produtor cinematográfico.
Foto: Arquivo pessoal.
Reportagem: O que te levou a abandonar o negócio de locação de filmes?
Norlan: Já quando surgiu o DVD, os serviços de tv a cabo estavam crescendo enormemente. E as pessoas estavam deixando de alugar os filmes. Porque o filme terminava indo para a TV. E a TV é muito mais acessível para as pessoas. Mudam de canal, acompanham a programação, ficam sabendo dos filmes com antecedência. E já no ano de 1996 eu já pensei que era a melhor coisa partir para a produção. Mas eu não deixei de estar vinculado ao Rental Vídeo, que é o sistema de locação. Mas passei também para venda, que é o sistema conhecido como Sell Through.
Reportagem: E o que aconteceu com as locadoras de Brasília? Todas fecharam as portas?
Norlan: Eu responderia que estão nas pequenas cidades, e nas periferias. Porque nas grandes cidades e centros urbanos, a banda larga já é acessível, a tv a cabo já é acessível, e dessa forma o entretenimento audiovisual passa a seguir esse caminho. Já nas pequenas cidades a locadora sobrevive, e é atração. Assim como a tv também é atração.
Reportagem: O que esperar do futuro das locadoras?
Norlan: Infelizmente eu não vejo um grande final feliz. A junção com outros estabelecimentos comerciais dentro da locadora é uma solução. A locadora tem que ter um atrativo muito interessante. Antigamente, o filme antes de ir para a TV, passava pela locadora. Hoje em dia sai da sala de cinema e vai para a TV a cabo. Então a pessoa prefere pagar 120 reais pela tv a cabo, ou 15 reais pelo NETFLIX, e ter a oportunidade de ver com mais comodidade. Outras soluções foram adotadas pelas locadoras como, por exemplo, entrega à domicílio, ou a possibilidade de pegar uma quantidade maior de filmes para se devolver após uma semana. Agora eu acho que a geração mais nova não vai ter esse tesão de pegar filme em locadora como a minha geração teve. Porque a locadora tem aquele perfil de biblioteca. Então você olha, conversa, troca figurinhas, fala sobre filme... E essa geração nova, que está mais plugada, quer o imediatismo. Não quer ficar demorando uma tarde inteira para escolher um filme.
A saída tecnológica para as locadoras talvez seja o streaming. Onde ela coloca a disposição para os seus clientes aquela quantidade de filmes disponíveis. Agora não vai partir da locadora criar essa plataforma. Eu acho que os estúdios podem criar um canal para a locadora, que o cliente vai poder acessar. Outra solução, que já está sendo adotada nos Estados Unidos, são os totens de locadoras self-service nas ruas. Foi esse modelo que quebrou a Blockbuster.
Geração nostalgia
Ainda que a mudança de hábito de consumo tenha atingido a maior parte das novas gerações, alguns jovens ainda sentem o apelo emocional de ir a uma locadora e passar algum tempo selecionando DVDs. O estudante de Administração, Adilio Santana Bezerra, 20 anos, conta que sempre gostou de ir à locadora. “Quando eu era pequeno isso era um evento pra mim. Hoje o entusiasmo mudou, mas não acabou. E se tornou uma coisa mais casual. Eu gosto da disposição dos filmes, eu gosto de pegar um tempo e ficar olhando os filmes, lendo as sinopses... É quase como se fosse um diálogo”, descreve Adilio.
Adilio Bezerra, estudante de administração.
Foto: Reprodução da internet.
O estudante, que é assinante de serviços de streaming, revela que pega na locadora as obras que não encontra online. E que apesar de ter criado vínculos com os funcionários, está se acostumando a ideia de um possível fim iminente para o serviço de locação de filmes. “Não é algo que me preocupa tanto. É algo que eu já tenho em mente que vai ter um fim. O que é uma pena porque é um hábito que eu gosto.”
Já a estudante de jornalismo Linda Braga, 20 anos, leva em consideração outros fatores na hora de optar por uma locadora. “Pela variedade que eu encontro quando eu entro numa locadora. E por eu ter quase 100% de certeza de que aquele filme vai ter qualidade. Diferente de um que eu baixasse pela internet, por exemplo”, explica a estudante.
Linda Braga, estudante de jornalismo.
Linda Braga, estudante de jornalismo.
Foto: Arquivo pessoal.
Ana Bastos, 19 anos, também estudante de jornalismo, revela que não tinha o hábito de alugar filmes quando era mais nova. Mas que desenvolveu paixão pelo cinema. “Eu notei que não tem tanta variedade para encontrar clássicos na internet. Então a melhor alternativa pra mim era alugar. E tem umas locadoras que eu frequento que tem um bom acervo. Principalmente de filmes antigos que são os meus favoritos.”
Ana Bastos, estudante de jornalismo.
Ana Bastos, estudante de jornalismo.
Foto: Arquivo pessoal.