Postagem em destaque

Nova plataforma!

Prezadas leitoras, prezados leitores, estamos com uma nova plataforma de conteúdo, lançada em junho de 2017. As reportagens são produtos tr...

As várias faces do abandono

5,5 milhões de crianças não tem o nome do pai na certidão de nascimento e mais de 20 milhões de mães criam os filhos sozinhas no Brasil

Segundo especialistas existem três tipos de abandono familiar: afeto, intelectual e material. Dados de uma pesquisa feita em 2015 pelo Instituto Data Popular mostram que, no Brasil, 67 milhões de mães criam os filhos sozinhas, e segundo as informações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), 5,5 milhões de crianças não possuem o nome do pai na certidão de nascimento.

A psicóloga Mariana de Oliveira trabalha há 10 anos no ramo e lida diariamente com os diversos tipos de abandono. Segundo Luíza, os números refletem um grave problema enfrentado pelo país: "A situação de abandono abre um leque de possibilidades. São diversos tipos e cada pessoa sente e sofre as consequências de maneira diferente. Existem pessoas que foram abandonadas completamente e estão em situação de abrigo ou adoção. Existem mães que foram abandonadas pelos parceiros e mesmo que recebam pensão, sentem dificuldades na hora educar os filhos e esses filhos vão sentir a falta de um pai. Existem filhos que não receberam nem atenção e cuidados e nem a ajuda financeira. E filhos que foram abandonados, mas não sentem tanta falta porque possuem uma estrutura familiar e recebem ajuda dos avós ou outros parentes.’’ Segundo Luíza, é preocupante o número de pessoas que sofreram algum tipo de abandono no Brasil: "O número é muito alto. Todo mundo conhece alguém que foi abandonado afetivamente ou financeiramente pelo mãe ou pelo pai. Felizmente as leis estão penalizando essas pessoas. De uns anos pra cá, muitas mães e filhos estão indo atrás dos seus direitos.’’

Nos últimos anos, os pedidos de indenização por motivos de abandono aumentaram significativamente e as decisões judiciais em torno do assunto se tornaram polêmicas. Segundo o vice-presidente de Direito da Comissão da Família, João Paulo de Sanches, existe uma cultura de abandono no Brasil que precisa ser revertida. "O abandono de incapaz é crime e está previsto no Código Penal. [..] Nós que estudamos o direito moderno de família entendemos que mais importante que dar prestação financeira para um filho é necessário você dar afeto, carinho, atenção e presença.’’ ''É preciso uma mudança cultural e uma mudança legislativa. No Brasil o número de crianças negligenciadas pelo pai é maior do que o de mães. Seja esse abandono financeiro ou afetivo, gera consequências psicológicas na criança que podem ser refletidas em vários momentos da vida e até mesmo na vida adulta.''

 
João Paulo Sanches ressalta que não há na legislação lei específica para a punição de abandono afetivo, mas que há uma construção jurisprudencial e doutrinária em que os tribunais decidiram que os pais que abandonam afetivamente os filhos são condenados a pagar uma indenização. "Levando em consideração a capacidade do pai de pagar uma indenização condizente com o prejuízo que ele causou na vida do filho, o juiz pode analisar o caso e determinar o pagamento, que muitas vezes, resulta em indenizações altas. Essa decisão vai respeitar a capacidade financeira do pai e vai respeitar a situação e prejuízo do filho.’’



João Paulo Sanches


Segundo João Paulo, o crescimento nos pedidos de indenização por motivos de abandono afetivo aumentaram porque antes a justiça não reconhecia esse abandono. "As regras de responsabilidade civil, a indenização, não se aplicavam no direito de família. Alguns advogados tentaram exigir indenização para alguns casos, mas os tribunais sempre negavam. Até que um caso chegou ao STJ e a ministra Nancy Andrighi reconheceu a possibilidade de se aplicar as regras da indenização no âmbito de direito de família. Quando a ministra lançou esse voto, esse acordão, essa tese bem formulada, os tribunais do Brasil passaram a aplicar a indenização em alguns casos.’’



“Amar é faculdade, cuidar é dever”

Os aumentos de pedidos de indenização aumentaram após o caso em que a ministra Nancy Andrighi condenou um pai a indenizar em 200 mil a filha. A ministra entendeu que é possível exigir indenização por dano moral decorrente de abandono afetivo pelos pais. Segundo a ministra “Amar é faculdade, cuidar é dever”. Entenda o caso

Outros pedidos de indenização já foram negados pelo STF. Em um caso recente,  o STJ ao analisar um pedido de indenização no valor de 5 mil salários mínimos, em decisão unânime, os ministros não identificaram o ilícito civil e a culpa na conduta do pai da autora do pedido, que só teve a paternidade confirmada 38 anos após o nascimento da filha. 

Histórias de abandono

A estudante de Educação Física, Lívia Alessandro, 23, conheceu o pai biológico aos 16 anos de idade. Antes do primeiro contato, Lívia não recebia nem pensão alimentícia nem cuidados do pai. Após a mãe entrar na justiça, Lívia passou a receber a pensão e visitar o pai quinzenalmente. "Minha mãe passou por muitas dificuldades na criação minha e do meus dois irmãos. Ela não tinha notícias do meu pai, quando ele nos abandonou, nós éramos muito novos. Quando ela soube que ele tinha voltado pra Brasília, ela foi atrás dos nossos direitos. Ela não pediu indenização, mas o juiz determinou que ele pagasse pensão para os três filhos e que ele teria que nos ver a cada 15 dias. No início era uma relação bem estranha, meio obrigada. A gente se dá bem, hoje em dia quase não o vejo. Mas nunca teve aquele afeto entre pai e filha.’’

A doméstica Mara Assunção, 37, criou as duas filhas sozinha após o marido abandonar a família. "As coisas estavam apertadas, a gente tava sem dinheiro e ele falou que ia tentar arrumar emprego no Goiás, mas nunca mais voltou. Eu sabia que ele tava vivo, tinha contato com ele, perguntava se ele podia ajudar com dinheiro, mas ele nunca mandou nada. Um dia eu cansei de procurar. Nem sei como ele tá hoje em dia, só sei que já tem outra família.’’ Quando questionada se já pensou em colocá-lo na justiça, Mara disse que não tem mais interesse: "Faz tempo que eu não entro em contato com ele. O que me deixa triste é quando as meninas precisam de algo. Mas elas não fazem questão de procurar o pai também. Já perguntei pra elas se elas tinham vontade de conhecer ele, mas elas não queriam. Eu passo por algumas necessidades, mas a gente se vira. Foi injusto o que ele fez, né? Mas eu não quis pôr na justiça não.’’

Mudanças

Na última quarta-feira (21/09) o STF decidiu que pais biológicos devem pagar pensão a filhos criados por outro. A decisão do Supremo é de repercussão geral e deve ser aplicada a processos semelhantes que tramitam em outros tribunais.
Em setembro do ano passado a Comissão de Direitos Humanos (CDH) aprovou o Projeto de Lei do Senado (PLS 700/2007) que modifica o Estatuto da Criança e do Adolescente e impõe reparação de danos por parte do pai ou da mãe que deixar de prestar assistência afetiva a seus filhos, seja pela convivência ou visitação periódica.  O PLS 470/2013- Estatuto das Famílias prevê nos artigos 108 e 109 a possibilidade de reparação por abandono afetivo. 

O Projeto determina que o pai ou a mãe que não tiver a guarda da criança ou do adolescente também ficará obrigado pelo Código Civil não somente a realizar visitas e a tê-los em sua companhia, como também a fiscalizar a manutenção e educação desses menores.

O projeto busca preencher uma lacuna que vem sendo suprida pela jurisprudência, que cada vez mais entende que a paternidade traz vínculo objetivo, com previsões legais e constitucionais de obrigações mínimas, que não se limita ao dever de alimentar, mas abrange o dever de cuidado. “E quando o cuidado, aquele inserido no contexto da assistência moral, é descumprido por parte dos genitores, pode gerar dano possível de reparação. Os benefícios que se espera é que seja mais uma forma de conscientizar os pais quanto às suas obrigações para com seus filhos, impondo que cumpram com a assistência que lhes é devida, o que culminaria em uma redução nos casos de abandono afetivo. E, quando mesmo assim não for prestada a assistência, os responsáveis serão devidamente responsabilizados” completa João Paulo Sanches. 


Pensão alimentícia

Entraram em vigor as novas regras do Novo Código de Processo Civil. Com as mudanças, a lei normatiza o pagamento de pensão alimentícia e as cobranças serão mais rigorosas. Quem não pagar o devido valor poderá ser preso em regime fechado, ter o nome negativado, inscrito no Serasa ou no SPC, além de ter a dívida debitada diretamente do salário. 




Jornan Rocha 
Khataryne Castro