Postagem em destaque

Nova plataforma!

Prezadas leitoras, prezados leitores, estamos com uma nova plataforma de conteúdo, lançada em junho de 2017. As reportagens são produtos tr...

Cesárea como regra: os desafios de optar pela humanização

Mulheres enfrentam os mitos criados pela cultura brasileira para dar à luz de maneira natural

A descoberta de uma gravidez, na maioria das vezes, vem rodeada de alegria. Toda a preocupação e preparação para receber o bebê da melhor maneira possível já é iniciada desde o primeiro momento. Mas, muitas vezes a forma de colocar o bebê no mundo não é nem ao menos questionada — “vai ser cesariana”. No Brasil, o índice de partos cirúrgicos é altíssimo — cerca de 84% na rede particular e 52% na rede pública. O problema é que a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda somente 15% como taxa aceitável.

Grávida aos 21 anos, a pedagoga Clara Cabral teve que pensar na difícil decisão de como daria à luz a filha Helena, hoje com 2 anos. Apesar de algumas mulheres da família terem tido bebês em casa, para ela essa questão ainda não estava certa. Muitas pesquisas e consultas foram feitas antes de decidir que a menina nasceria ali mesmo, em casa. “Quando decidi, fui contar ao meu namorado. No início ele ficou inseguro, preocupado principalmente com possíveis complicações. Mas fomos conversando e no final já estávamos certos de que teríamos um parto domiciliar”.
Parte da família questionou a decisão do casal e alegaram que tudo isso era “invenção de moda”. Para os que não têm acesso a esse tipo de informação, a opção mais simples e segura é o hospital. “Eles tinham medo que desse algum problema na hora, mas como eu já tinha me empoderado sobre a situação e motivos da minha escolha, conversei com todos argumentando os fatos e os tranquilizando”. Foi assim que Helena veio ao mundo em casa. E dois anos depois, o Bernardo.


A doula Adèle Valarini conta que, por medo de sofrer qualquer tipo de violência, muitas mulheres têm optado pelo parto humanizado com auxílio de uma doula e uma equipe médica específica para dar à luz. “Durante o parto a mulher fica extremamente vulnerável, e se ela for maltratada ou violentada nesse momento, ela se diminui por muito tempo”. E completa: “É essencial ter respeito quanto aos desejos e direitos dessa mulher e o parto humanizado é uma forma de colocar a mulher em uma posição de protagonista e sair como grande”. Para ela, a cesárea é uma opção extremamente útil e, quando indicada e feita de maneira respeitosa, é tão maravilhosa quanto o parto natural. “O problema é quando é feita como linha de produção, sem indicação, sem troca de olhares com a mulher e tudo mais”.
A vontade da arquiteta Ana Karla Veloso, 35, sempre foi que os filhos nascessem de forma natural. Foi assim que as duas filhas, Cecília, 4 e Olívia, 3 meses, nasceram de parto normal, mas de formas diferentes — Cecília nasceu no hospital sob anestesia, enquanto Olívia nasceu sem qualquer interferência médica, em uma casa de parto. “Não tinha consciência da dificuldade de ter parto normal, até minha irmã ficar grávida e na 40a semana, o obstetra colocá-la na indução e afirmando que a cesárea seria a melhor opção”. Assim, antes mesmo de engravidar, Ana Karla fez questão de procurar um obstetra que entendesse e respeitasse a vontade de fazer o parto natural.
“Encontrei uma obstetra legal, passei todo meu pré-natal dizendo que queria parto normal e apesar dela me dizer que cobrava por fora, decidi seguir com ela já que senti uma certa segurança”. Durante a gestação, a arquiteta listou todas as possíveis complicações que poderiam aparecer no último momento e tornariam a cesárea a única opção. Todas elas foram conversadas com a médica para que não houvesse desculpas na hora H. Quando chegou a hora de dar à luz Cecília, tudo ocorreu como esperado, mas mesmo assim houve um certo pânico de hospital. “Ela nasceu e logo tiraram ela de mim, fiquei muito pouco tempo com ela, sendo que era um momento que eu prezava muito”.

               Ana Karla no momento do nascimento da pequena Olívia, 
                        com o marido e a filha mais velha.
E, apesar de nunca ter se imaginado com um filho em qualquer lugar que não fosse o hospital, na segunda gestação, Ana Karla decidiu que queria algo totalmente humanizado. Com o apoio do marido e respeito da família, ela teve certeza de que era isso que queria. “Não me arrependo do parto da Cecília, mas o parto da Olívia foi muito bonito e especial. A equipe que contratei me passou muita segurança, foi uma decisão maravilhosa!”. A arquiteta se apaixonou pela área e decidiu fotografar partos, além de fazer um curso de doula. “É algo que me traz muita satisfação”.

O PARTO NATURAL
O médico obstetra Braulio Zorzella trabalha com partos há 16 anos e, desde o primeiro a que assistiu, teve a certeza que era com isso que queria trabalhar. Sempre incentivador dos partos humanizados, Dr. Braulio explica a importância de promovê-los de forma natural. “A princípio, até que se prove o contrário, o parto normal é o mais saudável e seguro nas gestações, então normalmente essa é melhor opção tanto para mãe, quanto para o bebê”. Porém, ele não hesita em realizar cesáreas quando necessário. “Acho legal ressaltar que não é porque o parto acaba em cesárea que ele deixa de ser humanizado. Começamos querendo o parto normal e vamos até onde é possível para realizá-lo dessa forma, mas se tiver que ser feita uma cesárea, nós faremos. Isso é diferente de cesárea com hora marcada”.

Para ele, o grande receio das mulheres em optar pelo parto normal na atualidade se deve ao medo da dor, à desconfiança e à falta de informação. Muitos médicos que se formaram no século XX foram ensinados que o método tradicional de realizar um parto é a episiotomia (corte feito entre a vagina e o ânus para ampliar o canal de parto) e pela ocitocina sintética (hormônio utilizado para acelerar o parto) — fatores que potencializam a dor e as fazem pensar que essa é a pior dor do mundo. “Essas mulheres não tiveram parto natural, elas tiveram o parto induzido e o fato deles realizarem esses tipos de procedimentos durante o trabalho de parto, as fazem pensar que elas não são capazes de dar à luz de forma totalmente natural”.


VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA
Há dois anos, Liliane Ferraz, 32, estava grávida de Laura e com o intuito de ter o parto natural, investiu nas pesquisas para encontrar a melhor maternidade — o objetivo era achar um local humanizado, que respeitasse os desejos da mulher. A vontade era ter a filha sem interferências médicas desnecessárias e eternizar a lembrança como algo único e especial. Mas, infelizmente, não foi nada disso que aconteceu. O nascimento de Laura foi um grande terror que acabou por gerar memórias traumáticas que acompanharão a estudante de engenharia para o resto da vida.


Grávida de 37 semanas, Liliane foi a uma consulta com a médica obstetra e, após um exame de toque, foi constatado que ela já estava com 4 cm de dilatação. Com o intuito de acelerar o parto, a médica fez o deslocamento do colo do útero e afirmou que a bebê nasceria até o final de semana. Ao contrário do que a obstetra imaginava, Laura não nasceu e outra consulta teve que ser feita, dessa vez já no hospital a comando do médico plantonista. “Eu estava tendo contrações leves ainda e quando o obstetra foi fazer o exame de toque para checar a dilatação, foi extremamente doloroso e invasivo”, conta Liliane. O exame que deveria ser indolor, foi manipulado de forma tão brutal a ponto de machucar a gestante e fazê-la sangrar mais do que o comum. “Ele me internou e disse que agora o parto aconteceria, já que ele tinha mexido muito”.

                                                                               Após parto sofrido, Liliane supera os traumas com a
                                                                                                                        ajuda da filha Laura.
Apesar de não querer o uso de ocitocina sintética e não haver necessidade, pois o trabalho de parto já estava avançado, uma enfermeira colocou a substância no soro contra a vontade da mãe, o que já descaracteriza o conceito de parto humanizado — concepção que, na teoria, era muito defendida pelo hospital. “Depois disso comecei a ter contrações muito fortes e chamei a enfermeira que me disse que eu já estava com 8 cm de dilatação”. Liliane foi encaminhada para a sala de parto e, após ter o monitor cardíaco e de pressão colocados, foi deixada sozinha no local.
A violência obstétrica sofrida por ela não para por aí. A maca em que estava era virada para a porta de vidro da sala e dessa forma, todos que passavam pelo corredor podiam ter uma visão de Liliane deitada em uma posição nada confortável. Depois de diversas pessoas passarem espiando, o anestesista, que demorou um bom tempo para chegar, foi informado que a estudante já estava com 9,5 cm de dilatação, e à esse ponto, já não era mais indicado que a anestesia fosse dada. “Eu estava tendo muitas contrações e o instinto do meu corpo era se contrair. Ele dizia para eu ficar parada, não me mexer porque ele ia aplicar a anestesia, mas estava fora do meu controle. Ele queria aplicá-la porque ganharia em cima disso, mas eu poderia ter ficado paraplégica por causa desse erro”.
Enfim a enfermeira chegou e sem nem ao menos questionar Liliane, realizou a episiotomia. Ela tentou intervir dizendo que não queria, mas a profissional afirmou que era necessário. Após esse momento, a gestante não teve que se esforçar muito para a filha nascer e a menina já tinha vindo ao mundo. Passada a euforia e ansiedade, Liliane percebeu o quanto o evento foi traumático em sua vida. “Eu fiquei muito abalada psicologicamente depois do parto, sempre que pensava ficava mal. Acho que foi principalmente por causa da episiotomia. Eu me senti mutilada, desrespeitada! Eu não queria ter sido cortada e avisei que não queria. Eu preferia que minha filha tivesse me rasgado e então ter sido necessário dar pontos, do que terem me cortado daquela forma invasiva”. O médico obstetra Braulio Zorzella afirma que nenhum caso de episiotomia é relatado se houver um treinamento perineal durante o pré-natal.

Confira abaixo um pouco mais sobre o assunto no áudio de Liliane:


Por Marília Padovan