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Meio de vida: mulheres no lixão sonham em voltar a estudar


Mesmo com a rotina exaustiva, catadoras ainda sonham com uma vida melhor






     Rodovia DF-095, estrada onde o fluxo é intenso em várias horas da semana, via onde todos os dias passam milhares de carros, caminho percorrido por pessoas que estão apenas de passagem pela capital. À margem, impossível não sentir o mau cheiro e não notar a precariedade da Via Estrutural, onde também está presente a cidade da Estrutural, mais conhecida como Vila Estrutural.  

  Tudo começou na década de 1960, após a inauguração de Brasília. Naquela época deu-se o primeiro e único aterro sanitário da cidade. O lixão da Estrutural é o lugar onde é depositado diariamente todo o lixo da capital. No início da década de 1990, já se estimava que pouco menos de 100 domicílios invadiam o lixão. Esse número já era preocupante para a vigilância sanitária na época. Em 1989, foi criado o Setor Complementar de Indústria e Abastecimento (SCIA).  
  
   Em janeiro de 2004, segundo informações “O SCIA foi transformado na Região Administrativa - Lei nº 3.315, tendo assim a cidade da Estrutural como sua sede urbana e também contando com a Cidade do Automóvel, onde está localizada a sede da Administração Regional”. O setor foi criado exatamente na época em que se previa a remoção da invasão para outro local.  
  
   

 Desejos  


   Mesmo com a rotina exaustiva, a ausência de estrutura, a precariedade, a falta de reconhecimento e o desrespeito, os trabalhadores continuam com bagagens de objetivos e sonhos dentro das mentes e corações. Um bom exemplo de pessoa com o coração puro e a mente fértil é a catadora Eliane Da Silva, 42, mãe e viúva. É perceptível e nítida a vontade de viver, o sangue nos olhos de pessoas como a trabalhadora. A guerreira vive e trabalha nesse lugar com mau cheiro forte e falta de estrutura e, mesmo assim, continua com o sorriso espalhafatoso e o olhos reluzentes.   


    Dona Eliane é de Goiás e trabalha no lixão da Estrutural há mais de 18 anos, ela conta que já tem anos que não pega em um livro para estudar. “Eu parei de estudar tem 24 anos, eu fiz só até a 8ª série, porque eu engravidei muito cedo e tive que parar.”  



    A catadora tem um sonho diferente, que conta sem tirar o sorriso do rosto e a pureza do coração: “Eu achei uma melissa no meio de tanto lixo e disse que ia pegar a melissa e calçar só para me inscrever no BBB.” Eliane diz que sonha em ser famosa e ganhar dinheiro no reality. Ela conta ainda que tem dois filhos para sustentar, um de 7 anos e outro de 24 anos, que ajuda trabalhando como motorista nas horas vagas. Ela afirma que não vai desistir de seus sonhos, ela deseja voltar a estudar quando conseguir estruturar a família. Quer fazer uma faculdade e se ver livre de tanto lixo, mas diz que é um sonho distante e sofre só em pensar que precisa estar nessa realidade todos os dias, às 8 horas da manhã. “Precisamos acreditar né!? Vai que um dia acontece”, completou.  
     

  A falta de estrutura, o salário escasso e a preocupação de com quem deixar os filhos deram um imenso alívio a metade dos catadores, depois de uma grande inciativa. É o que conta Nazaré, criadora do projeto social  da creche Esperança, localizada na Comunidade de Santa Luzia na Estrutural. Ela conta que decidiu criar a creche porque sofreu um acidente e parou de trabalhar, no tempo livre começou a ajudar crianças em situações precárias.   
  
  A idealizadora do projeto diz que as cenas de crianças que acompanhavam os pais catadores no lixão, a motivou a iniciar a creche. “Tinha um lixo perto daqui e eu via as crianças comendo os restos, comendo biscoitos velhos e eu falava menino sai dai porque tem rato, vem cá que eu vou te dar comida, eles passaram a vir”, relatou.  
  
  Segundo Nazaré, a situação em que ela acolhia essas crianças era muito precária. Ela já chegou a pensar em desistir por achar que não ia conseguir e chorava por pensar nas crianças. Mas com a ajuda de uma reportagem, essa história ficou conhecida e, até hoje, ela recebe um suporte maior de doações e ações solidárias para continuar o projeto. Maria Nazaré diz que até pessoas de outras cidades se comoveram e mandaram doações para colaborar. “Eu fico muito satisfeita de receber essa ajuda, ás vezes vou pra janela, olho para o céu e penso, meu Deus será que eu mereço tanto? É gratificante esse tipo de trabalho.”  
   
Garra  
  
    A Vila Estrutural é  um lar para muitos trabalhadores. Ela ocupa um espaço de 154 hectares e possui uma população de pouco mais de 35 mil habitantes. Uma delas é a Dona Leonildes, catadora há mais de 20 anos que veio do estado do Pará, em busca de um atendimento melhor na saúde para a sua mãe que sofre de diabetes. “Lá no estado onde a gente morava a saúde não tava muito boa, então a gente veio procurar um tratamento melhor pra ela aqui.” Leonildes Medeiros, 42, trouxe consigo uma bagagem de sonhos e metas.  
  
  A catadora Leonildes só estudou até a 4ª série do ensino fundamental e, assim como a maioria das pessoas, tem o sonho de concluir os estudos algum dia. “Meu sonho é terminar de estudar, eu ainda penso em estudar e ter um serviço melhor né!? porque a gente não estudou, morou na roça muitos anos e então não tivemos a oportunidade de estudar.”  
  
   A trabalhadora prova que é uma mulher sonhadora e guerreira. Ela conta que trabalha de segunda a segunda para ajudar a sustentar o filho e ajudar o marido que vive de bicos semanalmente. Como uma mãe de família, ela tem tarefas dentro de casa, o marido ajuda em tudo que precisa e ela sempre conta com a presença dele e do filho de 11 anos na hora do almoço, fornecido no lixão. Leonildes é uma das centenas de pessoas que encontram sustento, mesmo que precário, no lixão da Estrutural.  
   Ela diz que se considera uma mulher muito sonhadora, conta que enquanto está catando e levando o lixo para a coleta, pensa em várias coisas. “Me perco em meus próprios pensamentos e sonhos, às vezes compartilho com minhas amigas que também trabalham aqui tudo que passa pela minha cabeça”, contou. Assim são os dias de serviço de grande parte dessas pessoas, onde o tempo se torna um guardador de sonhos.  
   
Esforço 
   
   Mesmo que a invasão tenha sido considerada imprópria para habitação, por se tratar de uma área de depósito de lixo e estar perto do Parque Nacional de Brasília, foram feitas várias tentativas de fixação dos moradores por meio da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF). Em 1995 e em 1999, a CLDF aprovou duas leis que criavam criando respectivamente, a Cidade Estrutural e a Vila Operária, ambas foram vetadas pelo Poder Executivo local. 
  
  Até hoje essa saga continua, existe um projeto de construção de um novo aterro em Samambaia, com maior estrutura. O aterro sanitário de Samambaia tem capacidade para receber oito milhões de toneladas de lixo, o que representa vida útil de 13 anos.  
   
   Ao contrário do lixão da Estrutural, que já absorve material reciclável, lixo tradicional e até rejeitos da construção civil. A área do novo lixão receberá resíduos convencionais, que não podem ser reaproveitados. O aterro possui uma distância consideravelmente afastada de áreas residenciais prevenindo assim, riscos de contaminação. Com essa obra os catadores serão proibidos de entrar no local para trabalhar. Segundo a Política Nacional de Resíduos Sólidos, a área será cercada por seguranças. 


Confira a matéria na versão impressa:



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