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Conic - A prefeita Flávia Portela dá a palavra

O Esquina Online entrevistou a prefeita do Conic, Flávia Portela. Ela assumiu a prefeitura do local em 2003. Hoje, aos 52, Flávia fala sobre dificuldades, história e planos para o futuro do complexo. Confira!
Flávia Portela, prefeita do Conic, em sua casa no Park Way / Foto: Priscila Pietschmann

A senhora já tinha pegado algo de tamanha diversidade antes de ter chegado ao Conic?

Não, foi tudo muito novo. Eu sou uma profissional liberal de escritório de arquitetura, de projeto e obras. Nunca tinha pego, foi radical ! Eu tive muita dificuldade no início porque eu vinha de quase 20 anos fazendo projetos e tocando obras. Era uma lógica diferente. Eu até tento passar essa lógica para os nossos eventos culturais. No começo eu via artistas muito soltos. A gente vinha com planilhas, com um projeto com começo meio e fim, então começou-se uma coisa mais organizada. Nós já fizemos muita coisa ali no Conic.

- HISTÓRIA

O local já estava nos planos iniciais da cidade ou a ideia de construí-lo veio depois?
Sim, o local faz parte da escala agregaria projetada por Lucio Costa, tanto o Setor de Diversões Sul quanto o Norte já estavam no projeto inicial dele e era justamente para abrigar as atividades de maior concentração como bares, teatros, etc.(Saiba mais sobre a História do Conic - Um tablado democrático)
A prefeita Flávia Portela segura foto da fachada do Setor de Diversões Sul em Brasília / Foto: Priscila Pietschmann


Quantas pessoas frequentam o local diariamente?
Segundo o dado do antigo Departamento Metropolitano de Transporte Urbano (DMTU) são aproximadamente 700mil pessoas chegam na rodoviária. Destas, por volta de 400mil vão e passam na frente do Conic. Algumas, muitas delas cortam para ir para o setor hoteleiro. O nosso grande desafio é fazer com que essas pessoas entrem, agora para isso a gente teria que ter um comércio mais qualificado, que hoje a gente não tem. Mas mesmo assim, por conta dos sindicatos, eu acredito que uma faixa de 20 a 30 mil pessoas circulem diariamente no Conic.

A imagem do Conic mudou para a população de Brasília ao longo dos anos? De que forma?
Olha, eu acho que ainda não mudou totalmente por falta de recursos. O Conic ,eu acho que no inconsciente da grande maioria, ainda é um espaço de perversão. Já melhorou, mas não melhorou na velocidade que eu queria, mas de quando eu assumi para hoje, pelo menos, a imprensa parou de falar. Mas enfim, respondendo sua pergunta, eu acho que deu uma melhorada. Eu vejo hoje muito mais jovens interessados pelo Conic.

Qual a maior mudança sofrida pelo local desde a sua inauguração em 1967?
Naquela época... O Conic abrigava no começo muitas atividades culturais. As melhores livrarias estavam lá, os cinemas funcionavam, o teatro Dulcina estava a todo vapor, você tinha também embaixadas, umas quatro ou seis, porque o setor de embaixadas ainda não existia, então ali era o centro da cidade, ali funcionava. Durante algum tempo era um centro saudável. Depois disso, como num processo natural começa-se essa degradação. Quando o governo obriga as embaixadas a saírem de onde estão para se instalarem onde hoje é o Setor de Embaixadas com a finalidade de dar segurança, o setor começa a perder muito seu glamour. Daí começam a aparecer outros shoppings em volta e vamos perdendo espaço. No geral, eu acho que essa perda do glamour para o que está acontecendo hoje foi a grande mudança.

Nos dias atuais... Acho que o antigo prefeito tem o mérito de ter ‘limpado’ o Conic porque o local passou por um momento de muitas invasões e eu acho que depois que nós assumimos, eu pelo menos, me propus a trabalhar muito, até pela minha formação, em mostrar a importância do Conic. A partir daí as pessoas começaram a assimilar. Quando eu assumi o Conic, por exemplo, tinha uma vacância, uma ausência de quase 40% de inquilinos. Se você for ao local hoje, você não vê mais isso, então assim, houve uma grande valorização mobiliária. Tinham prédios que não tinham elevadores e hoje, quase todos os prédios já implementaram essas reformas.  Em relação a segurança, segundo a polícia militar nós somos hoje um dos locais mais seguros, é um bom local para investimento. Mas ainda existe o estigma? Existe. Até porque não é fácil desfazer uma imagem assim de uma hora para outra, a menos que se tenha grandes investimentos.

Como o Conic ganhou fama de ser um local perigoso mesmo sendo bem localizado?
Eu acho que ganhou essa fama pelas atividades. Nós tínhamos muitas casas de shows lá e outras atividades a princípio ditas “não-saudáveis”, também tinha ali aquela proximidade da rodoviária, enfim. No momento em que se iniciou o crack, os jovens iam muito para lá. Foi então que um governo criou aquele núcleo de apoio integrado da policia militar, polícia civil, ação social e nossa vida melhorou muito. Hoje, você não vê. Perto do setor comercial, é uma maravilha ! Então você não tem mais a droga lá no Conic. Como eu te digo, chegam 700mil pessoas lá da rodoviária, num centro completamente abandonado, não tem muito como controlar. Mas se você for lá hoje, você vê polícia direto. A gente não pode pensar na segurança só como um resultado de uma ação da polícia. A segurança é iluminação, são as calçadas... Então digo que falta estrutura básica naquele ‘centrão’ todo de Brasília.


"Falta estrutura básica naquele 'centrão' todo de Brasília" - Flávia Portela / Foto: Priscila Pietschmann


Quantas igrejas tem hoje no Conic?
Aproximadamente 10 Igrejas, é um numero que varia muito.

Como convivem os diferentes fiéis? (entre eles)


(entre eles e a relação com as outras pessoas)
Hoje o que mais incomodam as pessoas no Conic são os panfleteiros. É a maior queixa hoje do Conic. E em relação ao barulho, as vezes eles brigam entre eles, mas nada muito expressivo e que eu possa interferir. Nós temos um regimento também que é seguido e que todos do local têm conhecimento, é um regimento assinado, comum do prédio, do comércio. Mas termos gerais, é uma convivência pacífica porque tem a prefeitura, se não tivesse não seria pacífico.

- ESPAÇO CULTURAL

Como é usado o espaço cultural do Conic?
Nós temos alguns espaços, por exemplo, o subsolo é muito utilizado para eventos à noite, lançamentos de livros e etc. Teve recentemente um evento lá que foi dividido em três momentos e no final acabava em festa. Muito legal, bem organizado. Tem por exemplo também, eventos no qual os discos são lançados na frente de uma determinada loja que os apoia. Eu tenho o artesanato que expõem lá na praça central, os alunos Dulcina que fazem eventos na própria Faculdade de Arte e Cultura, temos algumas galerias que também podem ser usadas, tem alguns artistas que ficam pintando ali na frente, artistas que tocam, enfim, não tem um local específico, todos esses locais são locais comuns.

Qualquer um pode solicitar esse espaço para fazer evento? E como é o procedimento?
Sim, qualquer pessoa. Nós temos as normas. As pessoas assinam um contrato, um termo de responsabilidade. O procedimento de você fazer um evento fora, ou qualquer lugar, é o mesmo de fazer um evento lá no Conic. Você assina com 60 dias de antecedência, manda pra gente, a gente analisa, “ah é legal? sim. Comporta ou não comporta?” Mas normalmente eles também já sabem. Não dá para se fazer um evento de 50 mil pessoas lá, mas dá pra, dependendo, fazer um de três, quatro, cinco mil pessoas..

Como esses eventos são vistos pelos comerciantes?
Quando é o lojista quem faz o evento, ele nunca reclama do próprio evento, né?! No segmento do skate eles fazem muitos eventos e são todo bem organizados. O hip hop geralmente tem reclamações por causa da batida, nem todo mundo gosta do Hip Hop. Enfim, a gente evita fazer eventos durante o dia, então são mais a noite, aos sábados depois das 15h, de madrugada no subsolo.. Mas já tive algumas reclamações sim.

Principais dificuldades na organização dos eventos? (segurança/resistência dos comerciantes)
Em relação a prefeitura, nenhum. Até porque já está tudo bem definido. Cada realizador de evento é responsável por pagar todas as taxas e pela segurança. Então eles contratam a segurança, como brigadistas, eles contratam os banheiros que vão usar.. entendeu? Acho que o principal dificuldade seria a falta de apoio da Secretaria de Cultura, eles reclamam muito.

Já teve algum evento que eles causaram problemas e você pensou “Esses aqui não vêm nunca mais” ?
Já sim. Um dos primeiros que eu fiz. Nós levamos 5 mil skatistas para o dia inteiro. Mas foi um pouco acidental, skates quebrados, pisos quebrados, vidraça, sabe? Mas foi só isso. Foi mais pela quantidade de pessoas.
Eu não me lembro de evento algum que teve ‘pancadaria’. A gente trazia há uns três, quatro anos um grande evento que, todo ano, uma vez por mês eles faziam um festival de rock lá e sempre tinha reclamação entre os comerciantes das óticas, porque a música era alta e os óculos [das lojas] sempre amanheciam na segunda-feira no chão. Os lojistas me deixavam maluca.

O movimento aumenta muito quando há eventos no Conic? (lojas, lanchonetes vendem mais?)
Aumenta o público que está acompanhando aquele grupo, né?! Por exemplo, quando um determinado grupo faz um evento aumentam-se as vendas. Mas normalmente as lojas que mais vendem são do mesmo segmento. As vezes, tem algumas lojas “alternativas” também que se juntam e fazem um evento onde elas decidem dar um grande desconto, o que faz com que as vendas aumentem.


Qual o papel da prefeitura na organização do evento?
Bom, eu acompanho, a gente decide quem pode e quem não pode e também incentivamos, né? Dizemos que é bom, pedimos para que eles façam mesmo, convidamos pessoas de fora..

Há uma agenda cultural de eventos do Conic? Onde podemos encontra-la?
Há uma agenda constante. Há também o Calendário Cultural do CONIC proposto pela associação "nossaMARKA", como o apoio da Prefeitura.

- ARTISTAS DE RUA

Os artistas de rua costumam criar algum tipo de problema paras as pessoas do local?
Não, e muito pelo contrário. Muitos artistas quando pedem para fazer festas lá, trás um diferencial, porque foge daquela Brasília que todo mundo está acostumado.



- CINE PORNÔ

Porque os cines pornô acabaram?
Olha, eu acho que o Cine Hits (um dos cines pornôs, na época) era folclórico lá dentro. É uma pena que ele não tivesse mais qualidade, mas em termos de arquitetura ele era uma gracinha. Mas respondendo a sua pergunta, eu acho que ele não se modernizou, não sei porque... O “Cine Hits” foi fechado por falta de segurança mesmo. Certa vez, não chegou a ser um assassinato, mas houve uma briga lá e uma pessoa levou um tiro, foi morrer um pouco distante, fora do Conic, mas por conta disso foi fechado.

Vocês pretendem voltar com o cine pornô? Vocês aceitariam novamente se alguém aparecer com um projeto que quisesse voltar com o cine pornô?
Não tem problema. É uma coisa que eu não iria atrás. Até porque eu nem sei onde ir mas se fosse um cabaré como aquele de Paris, eu abria por que não? Todas as vezes que alguém me pergunta “E as prostitutas?” eu respondo assim “Desde que sejam as melhores de Brasília, pode ser...”

- DROGAS

Como a administração do Conic e lojistas lidam com a questão dos usuários de drogas que ficam lá?
Pois é, eu não vou dizer que está 100% não. De fato é um assunto desagradável no sentido de que a gente não vê uma solução da forma tradicional. Não adianta você ligar para a polícia e dizer “tira esse drogado”, ela vai chegar lá e vai dizer que não pode nem tocar. Reclama-se muito das leis também, porque dizem que as leis acabam beneficiando os moradores de rua ou os drogados, enfim.. A polícia que antes ia lá e tirava, hoje já não vai mais. Tem moradores de rua lá? Tem. Nos perturba? Sim. Mas eu acho que a gente está amadurecendo principalmente em relação a responsabilizar, porque a gente não pode responsabilizar só o Estado, eu acho que os condomínios tem que manter a sua segurança também.

Os usuários de drogas já causaram algum tipo de problema aos lojistas, frequentadores do local?
Sim. Há seis, sete anos, teve um ONG patrocinada por uma grande estatal que levou um projeto, contra a nossa vontade, de ressocialização, de cuidados dos drogados lá para dentro do Conic, a gente sabia que isso não ia dar certo. Ou seja, os meninos iam para lá, tomavam banho, tomavam sopa e depois saiam tocando o terror pelo Conic. Foi um período horrível. Você encontrava as vezes um grupo de 30, 40 meninos de rua. E essa associação depois não tomava mais cuidado, aí eles iam para a sinuca, para a cabine de prostituição que nós conseguimos tirar...Ao longo dos anos, apesar das pessoas não perceberem, por conta deste trabalho de ‘formiguinha’ e que eu faço porque eu gosto, eu hoje consigo resolver melhor as criticas que vêm contra o nosso trabalho. Mas muita coisa foi mudando ali, que eram coisas bem difíceis. Há oito anos, você não conseguia andar no centro de Brasília de forma alguma, você quase que tropeçava no drogados. Eu não sei se ficou essa a impressão pra vocês, mas hoje tem 10, 15% do que era antes.

O que você acha que atraiu os usuários para o Conic?
Não, só para o Conic, né? A droga proliferou. Eu acho que tem certas ‘atividades’ que são apropriadas para um região central, região que você tem trânsito 24h de pessoas, você encontra um grande fluxo de pessoas, então eu acho que esses drogados vão lá pedir dinheiro, de certa forma também os maus-feitos são acobertados, então muita gente com alto poder aquisitivo que vai comprar droga ali no centro de Brasília, a gente vê nas câmeras, não só no Conic, que vão procurar as prostitutas no setor hoteleiro, então são atividades que estão ligadas à um centro de cidade.

-       PLANOS FUTUROS

Quais são os planos agora?
Olha, nenhum. Eu acho que o mais de imediato mesmo é fazer com que a Terracap, por meio de uma parceria com a prefeitura, assuma para reformar e requalificar o local. Isso pra mim agora é o grande sonho. Mas eu acho que eu já dei minha contribuição. Eu as vezes penso em largar a prefeitura e criar uma associação dos amigos do Conic para que eu continue indo atrás de oportunidades no setor porém sem a pressão toda..

Por Priscila Pietschmann - Esquina Online