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Ações contra crimes de ódio aumentam 800% em cinco anos no DF

Nos primeiros seis meses de 2016 os processos judiciais representam
84% do total de ações de todo o ano de 2015

Os discursos de ódios na internet podem não ofender todos os internautas, mas há a preocupação entre especialistas de que o hábito de ler e escrever frequentemente essas agressões possa impactar as relações interpessoais e deixar a sociedade mais violenta. No Distrito Federal, o número de ações judiciais relacionadas aos crimes de ódio vem aumentando exponencialmente, como mostra o levantamento do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT). De 2010 para 2015, a capital federal contou com uma alta de 800% de processos – de 10 para 90.
Os dados contam as agressões do meio virtual e real. Neste ano, o montante deve inchar ainda mais as estatísticas, já que no primeiro semestre, o número de processos judiciais chegou a 76, o que representa cerca de 84% de todas as ações realizadas em 2015.
Thiago Pierobom, coordenador do Núcleo de Justiça de Direitos Humanos do MPDFT, atribui o crescimento dos números ao maior preparo das instituições especializadas no enfrentamento desses crimes. “O preconceito e a discriminação sempre existiram no Brasil. O que se difere agora é uma melhor especialização dos órgãos no combate a esses discursos. Houve um aumento das respostas dos meios de justiça, o que transmite mais credibilidade das instituições”, afirmou.
O professor Marcello Barra, do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília (UnB), disse que o crescimento do número de processos está relacionado com as discussões sobre a política, principalmente após as eleições de 2014, e o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. “Há uma judicialização do ódio com o crescimento das ofensas mais agressivas. Porque se a discriminação não for grave, as pessoas não têm o trabalho de ingressar na justiça”, opinou.


Estrutura violenta

             Johnathan Razen, professor de Direito do UniCEUB Créd: Hamilton Ferrari

Johnathan Razen, professor de Direito do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB), disse que o discurso de ódio é capaz de acionar uma violência que já está imbricada na sociedade contra um grupo de pessoas considerado vulnerável. “A ofensa é capaz de acionar mecanismo para que outras violências aconteçam”, afirmou.

Para entender o discurso de ódio, é necessário compreender o contexto cultural e político de um determinado país. “O Brasil não é o único país com o volume de ofensas em expansão. O discurso de ódio é uma prática que vem aumentando no mundo todo. Seja o desrespeito ao islamismo, associando-os aos atentados terroristas, seja pelos discursos racistas contra a população negra nos Estados Unidos”, exemplificou.
Razen declarou que o Brasil tem uma estrutura social extremamente violenta contra a comunidade LGBT, negros e mulheres. “O colonialismo moldou nossa sociedade, que tem uma estrutura patriarcal, heteronormativa e racista. Historicamente, esses grupos são marginalizados em nosso país”, analisou. Para o professor, alguns exemplos disso seriam a violência dos policiais contra os negros, violência doméstica contra as mulheres e violência nas ruas contra a população LGBT. “Essas violências são alimentadas por discursos de ódio”, alegou.

Postagens pregam morte e agressões


O ódio pode ultrapassar os limites nas redes sociais. Seja pelo anonimato ou por não crerem em punição, os internautas não se intimidam e publicam frases, imagens ou vídeos que incentivam até a morte de pessoas. Para alguns internautas, a “bala na cabeça” de gays resolve o problema ao curá-los. Para outros, linchar bandido é uma virtude do “melhor tipo de gente”. Os nordestinos deveriam “morar na lama” e “viver de migalhas” devido a inutilidade do povo, segundo outro agressor.

Página na internet ofende mulheres após a eliminação da seleção feminina de futebol nos Jogos Olímpicos 2016
Créd: PrintScrim 

Internauta incentiva morte da população LGBT em comentário do YouTube
Créd: PrintScrim 


A internet está lotada dessas publicações. O professor de Direito do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB), Johnathan Razen, disse que a agora as pessoas fazem de maneira aberta o que antes era uma piada. “Quanto mais um grupo agredido se fortalece, mais força ganham os discursos de ódios. Existe uma relação de escalada na violência. Os agressores tentam sobrepor os argumentos com mais discursos de ódios”, pontuou.

Página no Facebook recebe mais de 5,5 mil reações positivas de postagem que enaltece o linchamento
Créd: PrintScrim 

“A sociedade pode ter maior predisposição a praticar crimes nas relações com outras pessoas com uma maior violência na internet”, comentou Pierobom. Os especialistas avaliam que não há barreiras entre o meio “on-line” e o real. E, devido a isso, a normatização da prática tende a tornar as pessoas, de um modo geral, mais violentas e agressivas.
Na opinião de Barra, a internet é uma ferramenta positiva por dar voz a todos os segmentos da sociedade. “Graças ao ambiente virtual, a população não está mais aceitando tais discriminações. Lá, as pessoas são informatizadas e conseguem ter mais conhecimento sobre os temas”, defendeu.
Para o especialista, há uma abordagem predominante na mídia de que a internet reforça tais discursos de ódio. “Com ela, houve uma explosão de pensamentos diferentes e isso se tornou público. A internet pode até tornar o ódio mais transparente, mas é irrelevante se comparado à força que deu na defesa dos direitos dos setores marginalizados”, disse Barra.


Microsoft cria site para denúncias contra crime de ódios
 Créd: Monika Flueckiger / World Economic Forum




A Microsoft está trabalhando para receber diretamente as reclamações de discursos de ódio dos internautas. Se o usuário se deparar com um comentário racista ou homofóbico, por exemplo, ele pode entrar no site que a empresa criou para denunciar o abuso. A página é semelhante ao mecanismo existente para reportar mensagens de terrorismo.  
Assim que recebe a denúncia, a empresa avalia o conteúdo que defende a violência ou promove o ódio com base na idade, incapacidade, gênero, origem nacional ou étnica, corrida, religião e orientação sexual/identidade de gênero. A Microsoft pode optar ou não por retirar os comentários da internet. A empresa faz parte da campanha da Comissão Europeia contra assédio on-line, juntamente com o Facebook, Twitter e o YouTube.


Crimes de ódio


Apesar de não existir uma legislação específica para o discurso de ódio, existem crimes relacionados. A legislação incide sobre os diferentes grupos, como por exemplo, a injúria racial ou racismo, que é hediondo. “Há uma tentativa de criar e aprovar uma lei que seja análoga ao crime de racismo para a população LGBT”, disse Razen.
As penalidades para cada crime têm diferenciações. Certamente, o racismo tem punições mais intensas, já que é inafiançável e tem efeitos mais duros. A injúria racial é passível de fiança, assim como qualquer crime de expressão que agride mulheres, nordestinos, negros e LGBTs.
Barra comentou que a intolerância predominante no Brasil é muito mais perceptível quando o assunto é cor de pele. “Sem dúvidas é um legado da escravidão, que fez parte de 400 anos de nossa história e tem papel fundamental para a disseminação do racismo. É algo que ainda está enraizado na nossa cultura”, alegou.
Alguns especialistas não acreditam que punições mais duras sejam a resposta para o  problema. Razen afirmou que as penalidades não afetam a estrutura sociocultural da sociedade brasileira. “Uma punição penal não é importante para a proteção imediata da vítima, mas há ferramentas mais civis de correções, como a própria educação”, analisou.

Confira a matéria feita para o Jornal Esquina:


Por Hamilton Ferrari