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Cegos divergem sobre uso do cão-guia

No entanto, no Distrito Federal, fila para contar com auxílio do animal tem cerca de 300 pessoas, e é caro

É muito comum o pensamento de que todos os cegos preferem ter o auxílio do cão-guia para ajudar na mobilidade. Apesar disso, este é um ponto de vista equivocado e, na verdade, muito discutido entre os portadores da deficiência visual.

Antônio Leitão, 57, por exemplo, é contra o uso do animal para a locomoção. O professor da Secretaria de Educação é portador da deficiência visual desde o nascimento e usa bengala. Antônio nunca teve acesso ao cão-guia, mas diz também que não gosta. “Ao contrário de muitos deficientes visuais, eu não gosto de um cão-guia. Para mim, o cão-guia dificulta a acessibilidade já que ele não entra em alguns lugares” explica o professor. A diferença entre a bengala e o cão é miníma para o Antônio, além disso, ele defende a ideia de que possuir um cão-guia acaba se tornando uma espécie de ostentação, já que há lugares que são disponibilizados especificamente para os usuários do cão. “A bengala não detecta a maioria dos obstáculos, mas um cão-guia também não. Então acaba que dá na mesma. O animal acaba virando mais uma questão de status mesmo”, explica. 

De acordo com ele, pessoas que já nascem com a deficiência têm menos afinidade, enquanto os que, por ventura, perdem a visão, preferem o uso do animal. É o caso de Flávio Luís da Silva, 47 anos, que perdeu a visão após um acidente de carro aos 17 anos e, hoje em dia, utiliza o animal. Ele afirma que desde que conseguiu o Platão, um labrador da cor caramelo, sua mobilidade melhorou, tornando-se mais rápida e fácil.  Ele conta, porém, que teve de aguardar durante cinco anos e mais 15 dias de adaptação para, em 2010, ter acesso ao cão-guia.

Flávio é presidente da Associação Brasiliense de Deficientes Visuais (ABDV), e todos os dias pega o ônibus para se locomover de casa, no Gama, até o Plano Piloto, onde trabalha. Ele diz que são raras as vezes em que ele é impedido de entrar em algum local por conta de Platão, porém, já teve problemas com transporte. "O problema mais sério que eu tive mesmo foi com um táxi. O motorista se recusou a me transportar por conta do cachorro, então abri um processo na justiça contra a empresa”. Outro problema citado por Flávio é a falta de preocupação das pessoas com a concentração do cão. “Não foram poucas as vezes em que o Platão estava trabalhando e vieram acariciá-lo. Ele usa o equipamento e nele tem escrito ‘não me toquem, estou trabalhando’, mas mesmo assim muita gente passa a mão”, desabafa. Ao tocar o cão no momento em que ele está servindo como guia, a pessoa pode desconcentrar e dispersar o animal, colocando em risco a mobilidade do deficiente visual. “Eu já falei várias vezes e para várias pessoas para que não brinquem com o Platão enquanto ele estiver trabalhando. Quando ele tirar o equipamento sim, aí ele é um cão normal e pode brincar normalmente”, finaliza Flávio.

PROBLEMAS DE ADESÃO
Uma das formas de o deficiente visual conseguir um cão-guia é entrando em contato com o Projeto Cão-Guia, que é do Distrito Federal e auxilia os deficientes visuais na busca pelo animal. Mas, o processo para conseguir ter acesso é lento. Juliana Navarro, uma das administradoras do Projeto, explica que é necessário enviar um e-mail para eles (caoguiadf.cadastro@gmail.com) para conseguir entrar em uma lista de espera. “Atualmente a nossa lista de cadastro conta com cerca de 300 pessoas. Quando temos um cão pronto, vamos nesse cadastro para ver quais pessoas se encaixam no perfil do animal e aí fazemos um processo seletivo para selecionar quem receberá o cão-guia”, explica Juliana.


O problema é que atualmente o projeto conta com 49 cães, sendo que 16 deles ainda estão em fase de treinamento. “Somos uma ONG lutando para ter dinheiro e pessoas que possam trabalhar para isso. Por isso, só conseguimos entregar cerca de 3 a 5 cães por ano”, lamenta Juliana. Ela afirma que para conseguir realizar a entrega, tem que ser feito um planejamento a longo prazo por conta do tempo de treinamento e da questão financeira, já que cada cão pronto custa cerca de 25 mil reais. Juliana reconhece que o fluxo ideal para o projeto seria realizar a entrega de cães ao mesmo tempo em que estão tendo uma nova ninhada. “O problema é que como todo mundo aqui é voluntário, e o dinheiro é conseguido de forma suada, não temos condições de manter um número maior de cães”, finaliza.

TREINAMENTO
O treinamento dos cães-guias no Distrito Federal é realizado pelo Corpo de Bombeiros Militares (CBMDF). O projeto utiliza os cães da raça Labrador devido ao temperamento dócil e à facilidade no cuidado. Até 2005 eram aceitas doações de cães para o projeto, mas poucos conseguiam ser aproveitados para o treinamento por questões de saúde ou temperamentais. Por conta disso, a partir de 2006, o projeto passou a criar, procriar e educar os labradores para a formação do cão-guia e o aproveitamento subiu e ficou entre 70% e 80% das ninhadas. 

Apesar do grande aproveitamento, o treino acaba sendo demorado, já que cada treinador pode formar até dois cães por vez, de acordo com determinações do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (INMETRO).

O processo consiste em várias fases, a primeira delas é uma avaliação de saúde à qual são submetidos todos os filhotes nascidos no centro. Assim que selecionados, os filhotes são encaminhados para a fase de socialização. A segunda etapa consiste na entrega do filhote a uma família hospedeira, que recebe ração, material específico, assistência veterinária e técnica, e permanece com ele por cerca de um ano e meio. Durante esse tempo, a família é responsável por levar os cães a diversos lugares (ex. shoppings, restaurantes, escolas, ônibus e etc.) para que eles conheçam o mundo no qual estarão inseridos ao guiar o deficiente visual. 

Após a fase de socialização, o cão volta para o centro para passar por uma série de avaliações e, quando considerado apto, inicia-se o treinamento específico com a equipe de treinadores do Corpo de Bombeiros. O treinamento com cada cão leva em torno de 6 a 8 meses e acontece nas instalações do centro. Terminado o treinamento específico, o cão passa para a etapa de ambientação, que dura cerca de 3 a 7 dias. Nesta etapa o treinador acompanha o usuário em seu ambiente domiciliar para a adaptação do cão-guia com o cego.

Confira a matéria feita para o impresso do Jornal Esquina:



Por Isabella Conte