Na direção oposta dos padrões tradicionais de família, mulheres escolhem a maternidade independente
Para Cristina, o grande amor e a expectativa por uma família
são o suficiente para criar o filho Lucca.
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Sua filha, hoje com 2 anos, foi fruto da reprodução independente — método de concepção que faz uso do sêmen de um doador anônimo ou amigo e pode acontecer por meio de Inseminação Intrauterina (IIU) ou Fertilização in Vitro (FIV). No Brasil, o assunto não é muito divulgado e carece de legislação. O Conselho Federal de Medicina possui apenas normas éticas que determinam o número máximo de embriões a serem transferidos para a paciente de acordo com a idade, não podendo ser superior a 4. Além disso, as regras não excluem nenhuma pessoa da prática da reprodução assistida, independentemente da orientação sexual ou do estado civil, o que favorece também casais homo e heterossexuais.
Apesar dos desafios e inseguranças que a cercavam, Bettina não tinha dúvidas de que seu desejo era dar à luz uma criança, mesmo que sem a presença de um pai. “É fundamental ter estrutura financeira e emocional, pois não é algo fácil de se fazer. O apoio da família também é indispensável”. A diretora de marketing Cristina Monteiro concorda e mesmo hoje sendo mãe de Lucca, fruto de reprodução independente, ela viveu um grande conflito com as próprias vontades — o anseio pela maternidade nunca havia existido, até se deparar com o desejo repentino. Decidida, Cristina optou pela forma independente de conceber um filho.
Infelizmente, ainda é comum o estranhamento da sociedade em lidar com mulheres que escolhem ser mães solteiras, mas o preconceito não as acanha. “Hoje em dia existem família de todos os tipos e isso é ótimo. O essencial sempre foi e sempre será passar ao meu filho a certeza de que é muito amado”. Quanto às dificuldades por estar sozinha, ela afirma que o segredo é não hesitar em pedir ajuda aos familiares e amigos. “Todos os núcleos familiares precisam de uma ajudinha de vez em quando. Para mim, falar que faz falta ter um pai, é admitir que existe um padrão familiar correto e eu não acredito nisso”.
A estrutura emocional e a felicidade de uma família não dependem de como ela se configura, e sim da forma como lida com as situações e problemas que surgem em seu cotidiano. Pietro Minotto, psicólogo especializado em terapia cognitivo-comportamental, explica que isso depende de fatores mais complexos. A configuração familiar tradicional (pai, mãe, filhos) sempre esteve presente, mas não é sinônimo de felicidade ou de estruturação emocional, é preciso começar a questionar esses conceitos. “A felicidade e a estrutura emocional familiar está muito ligada a relação da mãe com a criança, de ambos construírem um ambiente reforçador e verdadeiro. É uma construção que exige trabalho e paciência, no entanto, com perfeitas possibilidades de ser funcional”.
O DOADOR
Cada país estabelece um limite para o número de crianças nascidas de um mesmo doador para evitar relações entre irmãos que desconhecem suas origens em comum. No Brasil, segundo o Conselho Federal de Medicina e a Agência de Vigilância Sanitária, cada doador poderá ter uma gestação de criança de sexo diferente numa área de um milhão de habitantes.
Aqui, ainda é muito restrita a questão do doador de sêmen. Pouco se sabe sobre aquele que não possui uma identidade civil e se basta apenas a um número, mas entre as informações a que a mulher tem acesso estão tipo sanguíneo, etnia, religião, cor e tipo de cabelo, cor dos olhos, altura, peso, hobby e profissão. A futura mãe deve escolher seis doadores de acordo com as características que prefere.
A ADOÇÃO
Esse mesmo padrão de família tradicional não está presente na mente de muitos brasileiros. Ter filhos e criar a própria família já não depende mais de um companheiro até mesmo legalmente quando, em 2009, a nova Lei da Adoção permitiu que qualquer pessoa maior de 18 anos adotasse independentemente do estado civil e desde que seja respeitada a diferença de dezesseis anos entre o adotante e o adotado. Para a consultora de beleza Flávia Pompeu, a vontade de ser mãe surgiu apenas após os 30 anos e dois possíveis problemas batiam à sua porta — ela não tinha um companheiro e não considerava a reprodução independente. Porém, sua mãe encontrou a solução perfeita para a problemática. Adotar uma criança. No começo, o medo e a insegurança, mas após frequentar abrigos e apadrinhar crianças, a certeza se fez presente. “Eu queria muito esse filho. Um ano e meio depois de abrir meu processo, meu telefone tocou e mudou completamente a minha vida”, comenta.
Aos 35 anos ela se tornou mãe de Ágatha e hoje as duas vivem a realização de um sonho. Ser mãe solteira tem vantagens e desvantagens, mas Flávia acredita que ser a única referência da filha é algo bom e que sua vida é completa graças a menina.“Já vivi preconceitos por ter adotado e por ela ser negra, mas seguimos firme. Foi uma decisão muito bem tomada, não tem quem me diga que eu fui louca ou que fiz algo errado. Ela é tudo que eu sempre sonhei. Somos muito felizes nessa papel de mãe e filha”.
Já a aposentada Kátia Maria Braga se divorciou aos 26 anos e criou os dois filhos pequenos sozinha. Tudo foi muito complicado, mas quando a maturidade chegou, a vontade de ser mãe novamente falou mais alto. Hoje seus filhos, Laura, de 35 anos e Rafael com 33 já são adultos. Criados e batendo asas pelo mundo. Porém, Kátia tem a companhia da pequena Letícia, de 7 anos. Para ela, a experiência de ser mãe agora, aos 56 anos, é completamente diferente. “Hoje penso que a maternidade devia chegar para a mulher aos 40 anos. Ela já está formada, viveu vários romances, viajou e se estabeleceu profissionalmente e financeiramente. Assim a maternidade chega de forma madura, tranquila”.
O destino colocou Letícia nas mãos de Kátia. A menina foi tirada da mãe aos 5 meses por problemas de dependência química. Dessa forma, a avó, que era vizinha de Kátia, ficou com a guarda, mas com graves problemas de saúde, morreu. Como sabia da história da pequena, Kátia resolveu entrar com o processo de adoção para ficar com a guarda de Letícia. O procedimento completo demorou quase 3 anos, mas enquanto a guarda definitiva não era dada, ela ficou sob custódia provisória. “Foi tudo bem lento e muitas vezes deu medo, mas eu sempre tive amor de sobra. Contratei um advogado e fiquei em cima, porque eu queria muito abrigá-la, queria ter ela comigo”.
A fotógrafa Annie Baracat conta um pouco da sua experiência com o processo de adoção:
ADOÇÃO MONOPARENTAL
Ao contrário do que muitos pensam, o processo de adoção monoparental não se diferencia em nada do processo de adoção por casais hétero ou homossexuais. A mulher ou homem que deseja se habilitar para a adoção vai ser representado por um advogado (particular ou pela defensoria pública) e o primeiro passo será entregar os documentos necessários para dar início ao procedimento. Para ser habilitado, o indivíduo precisa passar por um programa de preparação que, no Distrito Federal, é constituído por uma palestra e três encontros de grupo, que tratam sobre os aspectos psicológicos e afetivos da adoção. Além disso, um estudo técnico é realizado individualmente por psicólogos e assistentes sociais da Vara da Infância e do Adolescente do Distrito Federal (VIJ). Uma vez habilitado, o adotante entra na lista local e nacional de espera pela adoção.
A psicóloga da Sessão de Colocação em Família Substituta da VIJ, Niva Campos, explica que o fator principal a ser avaliado é a verificação de que a pessoa tem condições, tanto financeira, quanto emocional, de receber uma criança. "Ela é capaz de criar aquele filho que foi gerado por outra? Essa pergunta é essencial, pois a pessoa tem que estar ciente de que nem sempre a criança vai ser como ela idealizou". A preferência sempre será encontrar uma família para aquele jovem em questão, e não ao contrário. "Nós queremos alguém que se encaixe perfeitamente no perfil da criança. Caso não seja possível encontrar uma família para ela no estado que está, o cadastro é disponibilizado para todo o país".
Acompanhe abaixo a galeria de fotos de mulheres que optaram pela maternidade independente:
Veja também a reportagem sobre maternidade independente escrita para o Jornal Esquina: