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Mulheres na periferia sofrem mais com desigualdades

Rosana Freire é autônoma e é a chefe da casa
A autônoma Rosana Freire, de 59 anos, é moradora da Samambaia, cidade periférica e, segundo as estatísticas, em maior situação de vulnerabilidade no Distrito Federal. Perigo que ela lembra ter testemunhado na esquina de casa. "A minha vizinha foi agredida. Eu não sabia que poderia denunciar”. Puxando pela memória, reconheceu violência mais próximo dela.  “Ele bebia, me agredia, e por eu ter um monte de crianças pequenas, como é que eu ia denunciar ele? Como é que eu ia sustentar a casa? Então eu suportava tudo aquilo calada”, explica. Depois de 16 anos de relação abusiva, Rosana decidiu se separar do marido. 

“Não vale a pena. Não vale a pena ninguém ficar com um homem sendo maltrada, humilhada, abusada por conta de um prato de comida”. Para se sustentar, começou a trabalhar como cuidadora, passava as noites auxiliando uma senhora que sofria de Alzheimer e tinha acessos de violência. “Preferia trabalhar de noite, para de dia estar com meus netos, para evitar que eles caíssem nas drogas”, explica. Rosana, que sofre de crises constantes de asma, precisou largar esse emprego e tentar outra forma de sobrevivência. Sem carteira assinada, ela procura “bicos”, pequenos trabalhos que possam prover o necessário para a casa e seus netos: “Hoje eu estou trabalhando aqui - na rodoviária do Plano Piloto -, recebendo R$1 por cada assinatura que consigo coletar”.

Chefes de casa

Dados da Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios (PDAD) mostram que um total de 312.124 mulheres são responsáveis por domicílios no Distrito Federal. Historicamente, as diferenças entre os grandes centros urbanos e as regiões periféricas refletem na composição e na formação da sociedade em cada espaço. As desigualdades enfrentadas pelas mulheres em regiões periféricas, por motivos econômicos e estruturais, são consideravelmente maiores. 

                        Mulheres do DF ganham até 46% menos do que os homens


A falta de informações e de medidas educativas para as mulheres em maior situação de risco refletem em um número maior de situações onde a misoginia e o patriarcado imperam sem que, muitas mulheres, tenham conhecimento de sua própria autonomia, de direitos garantidos legalmente e de medidas para combate da violência contra a mulher.


A idade média das “chefes de família” no DF, segundo informações do PDAD, é de 59 anos. É o caso que se aplica à Rosana Freire, autônoma, de 53 anos, responsável pelo sustento de seu lar - onde vive com uma filha em reabilitação pelo uso de drogas e quatro netos -, em Samambaia. “O que eu achava que só um homem podia colocar dentro de casa, eu coloquei. E muito mais do que um homem poderia”, orgulha-se.


A Secretaria de Políticas para as Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos da Presidência da República informou que, em 2014, foram registradas cerca de 14 mil ocorrências de violência doméstica contra mães, filhas, irmãs... Ainda que tenham sido conquistados avanços no que diz respeito aos direitos civis das mulheres (do direito ao voto em 1932 à sanção da lei do feminicídio neste ano), a posição da mulher como um indivíduo oprimido pela sociedade, dentro do lar e pelo próprio Estado, permanece.


Sancionada no dia 8 de março de 2015, quando é lembrado o Dia Internacional da Mulher, a nova legislação prevê que o assassinato por violência doméstica, ou motivados pela discriminação de gênero, seja considerado um crime hediondo. Além disso, o crime passa a ser inafiançável e torna a morte por motivos de gênero um agravante para o cálculo da pena, que pode variar de 12 a 30 anos.


"Não aconteceu nada com ele"


A violência disfarçada pelo Estado e legitimada pela sociedade faz vítimas de diversos perfis e idades. A estudante Joana*, de 16 anos, moradora do Varjão, conheceu a violência desde cedo. Aos seis anos,foi violentada sexualmente por um primo .“ Mas isso acontece né? É chato, mas a gente levanta a cabeça e dá a volta por cima”.


A estudante chegou a prestar queixa formal contra o agressor, porém, segundo ela, nenhuma providência concreta foi tomada: “Eles falaram e foi aquele processo todo, mas não adiantou nada porque, hoje, ele mora na Bahia e não aconteceu nada com ele”.


Joana também teve que presenciar a morte de uma conhecida. Segundo ela, a amiga estava grávida e o companheiro, que era usuário de drogas, a matou durante uma crise: “Ela perdeu o bebê e foi levada ao hospital. Lá, ela teve hemorragia interna e acabou não resistindo”.


* O nome da personagem foi alterado para preservar sua identidade


Por Julianna Motter e Rafaela Soares