Conic - Uma igreja que acolhe os homoafetivos

A Comunidade Athos é uma igreja recente, com visão inovadora no País

Conic - Seis estúdios fazem a festa dos tatuadores

A tatuagem encontrou no Conic sua casa no Plano Piloto

Conic - O brilho das Drag Queens

Assim que Savanna Berlusconny sobe ao palco, o público da boate se aglomera para assisti-la

Postagem em destaque

Nova plataforma!

Prezadas leitoras, prezados leitores, estamos com uma nova plataforma de conteúdo, lançada em junho de 2017. As reportagens são produtos tr...

Animais em condomínios

Animais em condomínios: muito além do convívio

Direito de propriedade esbarra na proibição de animais de estimação

Um condomínio de apartamento ou casa é uma pequena sociedade. Ali vivem famílias que dividem corredores, jardins, garagens, coberturas... E, como em qualquer comunidade, existem os direitos e deveres de cada um. Além disso, uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica (IBGE), realizada em 2015, mostra que no Brasil a população de cachorros em domicílios é de 52,2 milhões, uma média de 1,8 cachorro, por casa. Mas, não são todos os moradores que aceitam os animais como membros efetivos das famílias; pelo contrário, muitos os veem como um grave problema.
O direito de propriedade é um dos princípios da Constituição Federal Brasileira. "Art. 5º: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade."
As regras de condomínio não podem se sobrepor ao direito de propriedade consagrado na Constituição Federal e no Código Civil (artigo 1.228), desde que não causem perturbação à tranquilidade e à saúde dos condôminos. A princípio, o dono de qualquer imóvel é livre para fazer as próprias regras e normas, não precisando pedir ao vizinho permissão para isso. Contudo, é necessário determinar algumas limitações para a boa convivência em sociedade.
A criação de animais de estimação tem uma particularidade que pode desencadear conflitos que ultrapassam a sensatez do bom convívio de vizinhança. As complicações crescem quando se leva em consideração o número de espécies que podem ser classificadas como sendo de estimação: cães, gatos, roedores, porcos, aves, répteis, anfíbios, artrópodes, e muitos outros.  
Para o advogado Daniel Odon, presidente da Comissão de Defesa dos Animais da 0AB/DF, apesar da Lei nº 2095 de 1998 tratar como legítima somente a criação de cães e gatos em condomínios, pessoas que criam animais exóticos facilmente ganham na justiça o direito de permanecerem com os bichos em casa. “O que acontece é que a lei não tem competência sobre o IBAMA e, na prática, se alguém cria um animal legalizado pelo órgão e está com todas as responsabilidades em dia, dificilmente será tirado do dono.” Essa prática também serve para aqueles cujo condomínio proíbe animais de estimação.  

Regime Interno

É importante o morador ter conhecimento sobre o regimento interno, que são as regras de convivência de um condomínio; e a convenção, que é o documento de efeito jurídico em que se estabelecem limites de áreas comuns e privativas, direitos de uso e normas para a administração. Apesar de muitas convenções proibirem animais, a Justiça vem dando ganho de causa a proprietários de bichos que não representem perigo e incômodo aos condôminos.
Para Landejaine Maccori, diretora de Educação e Meio Ambiente do Sindicato dos Condomínios Comerciais e Residenciais do Distrito Federal (SindiCONDOMÍNIO-DF), é primordial o respeito ao regime interno do condomínio, mas também é necessário um consenso. "Tudo depende de uma boa conversa. Existe o direito natural de todo ser humano e depois é feita a lei dos homens. Se algo é proibido, certamente é para a segurança de todos e isso evita problemas futuros."
A diretora afirma que há animais que não são apropriados a viverem em condomínio e isso acontece com qualquer espécie, não importa se de pequeno ou médio porte, silvestres ou exóticos. “As normas de boa vizinhança precisam garantir saúde, segurança e higiene para todos. Esses são pontos principais que ela estabelece para que haja uma convivência harmoniosa entre os vizinhos”, explica.

Além de cães e gatos

Cães e gatos são animais domésticos mais comuns. É difícil não conhecer alguém que cria um desses bichos em casa. Mas hápessoas que gostam de animais silvestres ou exóticos. Os animais silvestres são os que estão dentro do território nacional, seja permanentemente ou em uma fase da vida. Os exóticos são as espécies que não vivem no território brasileiro naturalmente. O termo não é usado para se referir a animais diferentes ou incomuns no ambiente doméstico.
"Sou a favor da criação legalizada de animais silvestres ou exóticos como pet. Isso é uma forma de educação ambiental. Conseguimos atingir esse público que quer e gosta desses tipos de animais e pode comprar e criar de forma legalizada.", defende Juliana Pigossi, médica veterinária e proprietária de uma loja especializada nesses animais. Há seis anos trabalhando na área, Pigossi é especialista nesses bichos que são criados como pet, entre serpentes, furões, aves, jabutis, gaviões, macacos e outras espécies.
Animais ilegais também são atendidos na clínica. A veterinária afirma que a lei é clara quanto a qualquer tipo de negligência médica e, para ela, não importa a procedência do animal na hora do atendimento. Mas quando necessário, alerta os proprietários que é crime ter um animal nessas condições. "A maioria das pessoas que possuem animais ilegais, tem medo de trazê-los para tratamento. Por causa disso, muitos deles já chegam na clínica em estado avançado da doença".

Jiboia

Taynã Matos, estudante de medicina veterinária, cria há dois anos uma jiboia arco-íris, legalizada e procedente da Amazônia. O custo para ter esse animal não é barato. Para comprá-la, o estudante desembolsou cerca de R$ 2 mil. Para criar o Argus - nome de batismo da serpente - ele também tem que criar ratos, principal e única refeição da jiboia. "Sempre gostei de serpentes e também acho o cuidado com elas muito mais prático que, por exemplo, com um cachorro.", argumenta.
Além da alimentação (que é feita, aproximadamente, de vinte em vinte dias) é preciso um lugar com condições ideais para a sobrevivência, que também seja a prova de fuga. "O terrário onde ele vive é ideal pois permite manter temperatura e umidade, um lado quente e outro frio, que no caso é a água, onde ele passa muito tempo. Isso é primordial para a sobrevivência dele.", explica Taynã.
Apesar de não ser necessário passear com a serpente, o estudante já caminhou com o Argus na rua, não se preocupando com a opinião dos vizinhos. "Não sei se eles (vizinhos) sabem que crio uma jiboia na minha casa. O Argus é legalizado, tem um micro chip implantado nele, tenho a nota fiscal e estou dentro da lei. Tomo todos os cuidados necessários para o meu bem e de todos aqueles que me cercam", esclarece.

Taynã e Argus, jibóia legalizada vinda da Amazônia

Lei

O IBAMA, a partir de 1993, publicou portarias e instruções normativas com o intuito de ordenar a criação de animais silvestres em cativeiro: nasciam assim os chamados criadouros de animais silvestres. Hoje, conforme a assessoria de imprensa do órgão, a consulta aos sistemas de gestão do uso da fauna no Brasil revela que há aproximadamente três milhões de animais em cativeiro. Das espécies nativas do Brasil, a mais criada é a Sporophila Angolensis, o famoso curió.

No total são 82.693 animais cadastrados no Sistema Nacional de Gestão da Fauna Silvestre (Sisfauna). É importante lembrar que neste sistema não constam os registros de São Paulo, estado que concentra cerca de 40% dos empreendimentos autorizados do país. O órgão responsável pela gestão de fauna em cativeiro nesta região possui sistema próprio. A lista de animais da fauna nativa a serem criados e comercializados como “bichos de estimação” - pets, ainda não foi publicada e continua em análise pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA.
Para comprar um animal, é necessário ter autorização do IBAMA e, mesmo assim, existem espécies proibidas ou com regulamentação para criação. Para animais peçonhentos, exóticos e selvagens também há leis estaduais que abordam a conduta na criação e condução de animais em vias públicas.
O artigo 29 da Lei 9605/1998 (crimes ambientais) estabelece que manter animais sem origem comprovada é crime. E também quem mata, persegue, caça, apanha ou utiliza espécies da fauna silvestre, nativa ou em rota migratória, sem a devida permissão, autorização ou licença da autoridade competente, ou em desacordo com o documento obtido, incorre em crime ambiental. Nesses casos, a penalidade pode variar de multa a detenção (variar de seis meses a um ano de reclusão).

Por Fernanda Câmara

O lado perdido da adolescência

Jovens entram, todos os dias, no Sistema Socioeducativo do Distrito Federal. O novo modelo busca a ressocialização desses adolescentes por meio da educação e de oficinas, apesar de sofrer com problemas administrativos. 

“Eu acordo seis horas da manhã. Às sete servem o café e meia hora depois abrem os quartos. Oito horas servem o lanche das nove para ir para a escola. Depois da escola desço para o módulo para almoçar e ficamos lá até a hora de 'passar a tranca'. Todo dia é assim”. Essa é a rotina de Lucas*, 18 anos, que cumpre medida socioeducativa na Unidade de Internação do Recanto das Emas (Unire), a 15 quilômetros do centro de Brasília. Segundo o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), a unidade recebe atualmente 211 jovens, número maior que a capacidade recomendada de 144 internos.

Há dois anos o novo modelo de sistema socioeducativo do Distrito Federal recebe adolescentes em conflito com a lei. A criação se deu pela necessidade de descentralização do antigo Centro de Atendimento Juvenil Especializado (Caje). Na época, o objetivo era garantir a integridade e promover a ressocialização dos 893 jovens que viviam em um espaço estruturado para abrigar 162 internos. Quantidade cinco vezes maior que a capacidade, de acordo com dados do TJDFT. Com a criação das novas unidades o problema diminuiu, mas não foi totalmente resolvido, tendo em vista que o aumento de jovens nas instituições ainda é recorrente. Atualmente, o sistema conta com sete unidades de internação espalhadas em seis regiões administrativas do DF: 



Unidade de Internação do Recanto das Emas (UNIRE)

                             

Regulamentação
Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), são considerados adolescentes os indivíduos entre 12 e 18 anos completos. Há, entretanto, em casos específicos, a presença de maiores de idade nas unidades. A lei garante exceções devido ao número de medidas socioeducativas que um menor pode acumular. Ao ser julgado, o socioeducando não tem prazo determinado para permanecer sob internação. A cada seis meses, em média, técnicos das Unidades de Internação enviam relatórios para a juíza da Vara da Infância e Juventude avaliar caso a caso. O período máximo de uma medida socioeducativa é de três anos, uma vez que a legislação assegura que o jovem não deve passar mais da metade da adolescência no sistema. Porém, na prática, há brechas que contrariam o texto do ECA. “Alguns meninos têm várias medidas para cumprir. E um dos critérios que é levado em conta é o número de atos infracionais cometidos. Quando ele está acabando de cumprir uma medida, a juíza já manda outra. Assim, vai ficando até cumprir tudo que precisa”, explica o especialista em Direito da Criança e do Adolescente, Paulo Rená.

O artigo 123 do estatuto assegura que, dentro das entidades, os jovens devem ser separados por critérios de idade, compleição física e gravidade da infração. Na prática, não é o que acontece, afirma o especialista. “Por questões de guerra e risco de danos físicos, alguns internos não podem ser colocados com outros que tenham a mesma condição. A postura adotada nas unidades de internação não é totalmente arbitrária.” Segundo o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), documento usado como guia na implementação das medidas socioeducativas, o adolescente pode fazer o reconhecimento de outros jovens com quem possam eventualmente entrar em conflito, por exemplo. Quando necessário, os internos são separados por um determinado período de tempo, garantindo a integridade física de ambos.

Outros direitos também são garantidos. O ECA ratifica que a distribuição nos estabelecimentos de internação deve ser feita de acordo com o local mais próximo ao domicílio dos pais ou responsáveis, contemplando o inciso VI do artigo 124. Outras garantias do jovem infrator são itens regulamentados no estatuto, como receber visita semanal dos familiares, obter atendimento médico quando necessário, ter encontros regulares com representante do Ministério Público (MP) e ser informado da situação processual sempre que solicitado.


Salas para a revista e  o atendimento técnico

                                     


Dia a dia
Com capacidade para 144 socioeducandos, em uma área total de 12 mil metros quadrados, a Unidade de Internação do Recanto das Emas é composta por oito módulos, onde os jovens dormem e passam a maior parte do dia. Cada módulo abriga 30 adolescentes, distribuídos em oito quartos, cada um com capacidade para três internos.
Os meninos levantam por volta das oito horas para receber o café da manhã. Logo após, os módulos determinados vão para a escola enquanto os outros ficam no banho de sol. Ao meio-dia, todos retornam para o horário de almoço. O período da tarde segue a mesma programação da manhã. Seis refeições diárias são servidas: café da manhã, lanche, almoço, lanche da tarde, jantar e ceia.


                       
Os módulos têm o formato que se assemelha ao de um retângulo e possuem um corredor ao centro. Cada lado do módulo tem quatro quartos. O espaço para o banho de sol fica dentro desses locais. Os quartos têm três camas - “jegas”, no linguajar dos jovens. Uma pia e um chuveiro completam o ambiente. Um buraco no chão serve como sanitário. O contato com o lado de fora é mínimo: nos cômodos, apenas dois espaços gradeados, que lembram uma janela, permitem a entrada de luz natural. Um fica sobre a porta, onde geralmente são colocados os chinelos. O outro está localizado na área do banheiro. As paredes dos quartos são decoradas com fotos dos familiares ou desenhos feitos pelos próprios infratores. As do banheiro têm imagens de mulheres nuas. A televisão, lazer dos adolescentes enquanto estão nos módulos, fica apoiada sobre a divisória do banheiro. Os quartos são organizados e limpos pelos próprios internos, mas dadas as condições do recinto, alguns cheiram mal. 


           
Interior de um quarto com as"jegas" e escrituras na porta
                           

Banheiro de um dos quartos

                     
Dos oito módulos, um é considerado como uma punição. Os jovens que criam alguma confusão em outros locais da unidade, por exemplo, são isolados por até 25 dias. Em casos extremos, ficam 45 dias e depois são remanejados para um módulo diferente daquele em que estavam anteriormente. O outro módulo é o considerado “seguro”. Lá ficam os homossexuais, os que cometeram atos contra a família (pai e mãe) e os que praticaram infrações de cunho sexual. Os próprios internos não admitem esses tipos de comportamento. Nesses locais a estrutura física é diferente dos demais módulos. Para melhor observação pelos agentes, grades permitem boa iluminação os separam dos menores, ocupando quase todo o comprimento da parede. Na parte de dentro, a disposição dos quartos também é diferenciada, assim como a área do banho de sol. Tudo bem visível aos olhos do agente socioeducativo.


Visão de fora dos quartos do centro de ressocialização
                                     


                                  
Sistema prejudicado
Além da escola, são oferecidas oficinas aos adolescentes, tais como de tapeçaria e mecânica, a última implantada por um agente socioeducativo da unidade. Com a falta de servidores no sistema as atividades ficam ainda mais prejudicadas, tendo em vista que nem todos os internos têm a chance participar. Segundo João*, é feito um sorteio para definir os escolhidos. “Os agentes fazem um sorteio para saber quem vai participar. Estou esperando para ver se meu nome sai no próximo. Nunca participei de nenhuma oficina.” Para o agente Rodrigo Ferreira, 39 anos, o estado deveria oferecer outras práticas para que os jovens ocupassem o tempo e saíssem da internação com um ofício. “Deveria ter mais oficinas. Eles precisam aprender alguma atividade para sair e poder procurar emprego, senão voltam para o crime, onde encontram dinheiro fácil. A falta de agente já prejudicou muito. Só duas oficinas funcionam”, lamenta.
O problema do baixo efetivo de agentes não atinge somente as oficinas. A segurança, tanto dos internos quanto de quem trabalha na unidade, também é afetada. A superlotação e o fator dos agentes faz com que, em alguns momentos, o clima de tensão se estabeleça e, com isso, algumas precauções sejam necessárias. Segundo o agente, todo cuidado no tratamento com os jovens é pouco. “Um socioeducador nunca deve entrar em um dos lados do módulo sozinho. Quando acontece algum problema, tem que esperar o efetivo chegar. A gente nunca sabe o que passa pela cabeça dos meninos. Eles podem simular uma briga para fazer uma emboscada”, relata.
Outros setores das unidades também sofrem com a situação, como é o caso da assistência social. Os jovens deveriam receber visitas técnicas toda semana, assim como acompanhamento psicológico. Devido à baixa quantidade de agentes, não é possível garantir a segurança dos profissionais e das famílias. Por isso, os atendimentos ocorrem de 15 em 15 dias ou uma vez por mês. Quem também sofre com a falta de efetivo são os próprios familiares. Os dias determinados para visita são as terças-feiras e os finais de semana, sendo a terça reservada para os filhos dos internos. O processo de revista, minucioso, é o mesmo para homens, mulheres e crianças. Em cada módulo, um cômodo é reservado para o procedimento, considerado invasivo e constrangedor pelos visitantes.
Recentemente, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) recomendou ao Governador Rodrigo Rollemberg a instalação de postos da Polícia Militar na área externa dos centros de internação e a presença contínua de policiais no interior das unidades. A decisão garante a proteção dos adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas, dos servidores e da vizinhança. Para evitar rebeliões, fugas e resgates dos jovens, tanto dentro  das unidades quanto durante o trajeto para os fóruns o prazo dado para o cumprimento da recomendação foi de 90 dias.
                          
O baixo efetivo de agentes leva insegurança aos jovens e servidores
                  

Perfil do jovem infrator no Distrito Federal
Com sete instituições de acompanhamento a jovens infratores, o Distrito Federal conta com mais de mil adolescentes em internação. A pesquisa “Perfil e Percepção Social dos Adolescentes em Medida Socioeducativa”, realizada pela Secretaria da Criança e a Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan) em 2014, traça o perfil do jovem infrator que é característico em todo país. Em sua grande maioria, os jovens que cometem algum tipo de infração são negros entre 15 e 18 anos.
A pesquisa aponta ainda que grande parte dos jovens não conta com a figura paterna em casa e residem, geralmente, com a mãe, irmãos e avós em cidades como Santa Maria, Samambaia, Recanto das Emas e Ceilândia. A última, inclusive, é a que apresenta o maior número de jovens infratores. Números que assolam não apenas o Distrito Federal, mas todo o país. A taxa de educação reflete um fator preocupante na pesquisa. A baixa escolaridade, o alto número de semianalfabetos, o abandono escolar e a não conclusão do ensino médio são realidades comuns para a maioria desses jovens que abandonam os estudos e entram no mundo do crime.
O ingresso, cada vez mais cedo no crime, assim como o alto índice de reincidência no sistema socioeducativo (84,2%), servem de base para justificar o número elevado de atos infracionais cometidos. Segundo a pesquisa, as práticas mais comuns são roubo (157) e tráfico de drogas, seguido de furto (155) e posse ou porte ilegal de arma de fogo.


A importância da educação
“Eu tive um sobrinho que ficou internado durante dois anos no Centro de Atendimento Juvenil Especializado (Caje) e eu já sabia mais ou menos como funcionava. Ele tinha aula e então eu decidi conhecer e trabalhar com esses jovens para tentar, de certa forma, ajudar e contribuir.” Há três anos como professora de biologia na unidade do Recanto das Emas, Alessandra Cardoso, conta que dá aula para jovens que cursam entre o quinto ano do ensino fundamental e o terceiro do ensino médio.
Alessandra teve que realizar um processo seletivo de remanejamento da Secretaria de Educação do Distrito Federal para se tornar professora dentro do sistema socioeducativo. Ao entrar em sala de aula, a expectativa da docente deu lugar à apreensão. "Entrei e fiquei com medo, quis sair. Pedi devolução, mas a sede não quis. Saí da sala de aula chorando e fui ao hospital para tomar remédio." Após ficar afastada 60 dias por licença e férias, a vontade de auxiliar os alunos falou mais alto. "Quando voltei da licença, os alunos disseram que estavam sentindo falta da minha aula. Isso me fez ter a certeza que eu estava no caminho certo. No início é difícil entender como desenvolver o trabalho com esses meninos, é um desafio. Com o tempo fui me adaptando. Hoje, não tenho intenção de sair daqui", garante.
Entrada da escola da Unidade de Internação do Recanto das Emas
                                  

Ouvir "não" nas salas de aula é algo comum para a professora, extremamente exigida pelos alunos. Ainda assim, ela acredita que a educação é a principal ferramenta de ressocialização dos menores. “Eles querem conversar, ficar na janela, na porta. Não têm consciência de que os maiores prejudicados são eles próprios. Às vezes, você tem a impressão de que ninguém está aprendendo nada, mas está. Por mais simples que pareça, alguma coisa o jovem consegue captar. A escola contribui muito para a formação pessoal.” Ao chegar à unidade, muitos dos infratores não frequentavam a escola, mas passam a fazer parte de uma turma. "Tem aluno que chega aqui sem ser alfabetizado. É como se ele fizesse quatro anos da escola em dois. Alguns saem cursando o ensino médio, outros o oitavo, nono ano do fundamental", explica.
A escola funciona em dois períodos, matutino e vespertino, durante quatro horas. As turmas são definidas de acordo com cada módulo, assim como o período que frequentam. O material utilizado em sala de aula é disponibilizado pela Secretaria de Estado da Criança. “Pode demorar a chegar o material, mas nunca falta". Os jovens não podem levar nada para os módulos. Já houve casos em que eles desceram com os livros e não devolveram. “Em sala de aula controlamos, mas fora não tem como”, explica Alessandra. A grade horária conta com todas as matérias de uma escola da rede pública. As aulas acontecem de segunda a sexta-feira, sendo quarta-feira o dia da educação física. A escolha de todas as turmas terem atividade no mesmo dia foi estipulada não só pela escola, mas, também, pelos agentes socioeducativos. “Quando as turmas tinham educação física em dias diferentes acontecia de um menino que não fez a atividade no dia previsto querer fazer em outro. Virava uma confusão. Eles não queriam entrar em sala nem deixar o professor começar a aula. Eles tanto faziam que conseguiam com que os agentes os levassem de volta para os módulos. Com a mudança esses episódios não ocorrem mais e tudo flui melhor”, comenta.


Corredor da escola da unidade do Recanto das Emas

Rendimento escolar
Professora da unidade desde 2013, Alessandra conta que alguns dias são mais difíceis de dar aula, principalmente nas sextas e segundas feiras. São os dias em que os internos saem e voltam do “saidão”, respectivamente. “Na sexta-feira os meninos ficam agitados. Tanto os que vão sair quanto os que vão ficar. Segunda-feira é terrível, eles não param de conversar um minuto. Os que retornam à unidade chegam com muitas novidades lá de fora e os que estão aqui dentro ficam querendo saber”, relata.
Sala de aula do centro de internação

                              
                                  

Com a experiência da sala de aula, ela conta que a relação com os alunos é boa e vai além do conteúdo. “Muitos não escondem o motivo de estarem aqui. Tento sempre trabalhar questões relacionadas à sexualidade, ao uso e efeitos das drogas no organismo. Isso chama a atenção deles, mas a gente sabe que é difícil manter essa concentração.” Apesar do amor pela profissão, a professora admite que o maior problema está na rua, fora do controle da escola e das instituições de internação. A situação se agrava ainda mais com a falta de estrutura familiar e de projetos governamentais, fatores que colaboram para o crescimento do número de jovens no crime. “A maioria não tem estrutura familiar. Muitos o pai não é presente. Desde novos ficam na rua enquanto a mãe sai para trabalhar. O estado deveria fazer projetos sociais, como escolinhas de futebol, teatro e artes para captar esses meninos.”
A melhor opção para a ressocialização desses jovens, segundo ela, seriam iniciativas que os reinserissem na sociedade e no mercado de trabalho. “Esses meninos tinham que trabalhar e ter uma profissão. Se eles saem daqui trabalhando, sabem que vão ganhar algum dinheiro. Eles saem daqui sem nada e voltam para o  mesmo lugar. É isso o que eles nos contam”, lamenta a professora.



Herança de pai para filho
Às seis horas da manhã de uma quinta-feira, Pedro*, 19 anos, acorda para tomar banho de sol. Em seguida almoça e vai para a escola no turno vespertino. No final da tarde, retorna ao módulo número quatro, onde divide um quarto com mais três internos, todos à espera de um novo amanhecer. Essa é a rotina seguida há um ano e três meses pelo jovem.
“Cadeia ou morte. Matar ou morrer”. A frase citada pelo interno retrata a visão que tem do mundo do crime. O morador da Ceilândia já passou por quatro internações e foi detido pela primeira vez aos 15 anos. Foi apenas o começo da extensa ficha de atos infracionais. “Com treze anos na escola, eu via os meninos com tênis caro e eu também queria. Foi quando tudo começou”, relata. Apreendido por diferentes motivos, Pedro lembra da influência paterna. “Minha vida era complicada, meu pai era do crime. Fumava crack e usava cocaína. Só andava armado. Me levava com ele para a boca de fumo desde os meus treze anos.” Já a mãe, assistente de limpeza geral, incentivava o filho nos estudos. Hoje, Pedro reconhece o esforço feito por ela. “Minha mãe já está cansada. Ela está sofrendo muito. Quando ela vem, penso na humilhação e percebo que não precisava estar passando por isso. Penso em sair dessa vida, principalmente por ela.”
Pedro entrou no sistema socioeducativo na oitava série do ensino fundamental. Após um ano e três meses na unidade, o jovem está terminando o terceiro ano do ensino médio com um pensamento diferente de quando entrou. “Eu já estou com outra mente. Quero fazer um curso de mecânica para ter um retorno financeiro e pagar a faculdade de Direito. Vejo um futuro nesse curso para minha história”, planeja. Com uma cicatriz proveniente de um tiro no pé, que leva como marca não apenas física, o rapaz quer voltar para casa e reconstruir a vida na cidade onde passou os momentos mais tensos dentro do crime. “Minha intenção é voltar para a minha casa e poder mostrar para todos que estão na vida criminal que existe chance de mudar. Quero olhar para as mesmas pessoas, cumprimentar e não me relacionar. Posso viver no mesmo lugar, mas com uma vida diferente”, garante.

Conselho de mãe
Em uma tarde corriqueira, João*, 19 anos, tinha acabado de deixar um amigo no Sol Nascente, quando decidiu roubar um carro. Sozinho e desarmado, o jovem anunciou o assalto e logo foi surpreendido no momento em que o dono do veículo identificou-se como policial. Por instinto de defesa, João lutou contra a vítima e, por alguns instantes, conseguiu tomar a arma. Disparou duas vezes, por sorte não atingiu o alvo. Hoje no sistema socioeducativo, o jovem lembra do conselho dado pela mãe na noite anterior. “Já tinha um tempo que eu estava roubando. Lembro perfeitamente da minha mãe me alertando sobre o que eu estava fazendo. Ela olhou nos meus olhos e disse que eu só aprenderia a lição quando eu assaltasse uma autoridade. Dito e feito. Agora estou aqui”, conta.
Há dez meses, João cumpre medida socioeducativa pelos atos infracionais cometidos. O jovem relembra o início na vida criminosa. “Com 15 anos fui em uma festa com amigos, de carona em um carro roubado. Fomos pegos no final. Como eu era o único menor de idade assumi a culpa”, diz. Filho de servidor público e dona de casa, não parou por aí. “Foi apenas o começo. Já roubei mais de trinta carros até hoje. Vendia todos para ter lucro.”
Acordando todos os dias atrás de uma grade e em um módulo com mais 29 internos, o rapaz acredita na fé como alternativa para mudar de vida. “É preciso confiar em Deus. É a única solução.” Reconhece também o esforço da família para visita-lo semanalmente. “Eu seria mais revoltado se a minha família não viesse. A todo momento minha mãe pede para eu abandonar essa vida errada. Sei que se eu rodar de novo ela não vem mais me visitar”, desabafa.
João está cursando o nono ano do ensino fundamental e vê o futuro com outros olhos, em um lugar diferente, pois admite não ter forças para voltar ao local onde tudo começou. “A primeira coisa que eu quero fazer quando sair daqui é ir morar no Goiás. Vou tirar minha carteira de motorista e comprar um caminhão para poder trabalhar. Quero construir minha vida longe do lugar em que vivia.” O jovem, que sonha ser advogado, espera pelo dia em que poderá andar sem as mãos para trás. Olhando para o futuro, mas sem esquecer das lições do passado, João espera construir uma nova história para sua vida.

157: o número do crime
“Uma vez estava passando em frente a uma escola no Setor O (Ceilândia) e vi um ‘moleque’ com um ‘pisante’ (tênis) maneiro. Fui lá e roubei. Levei apenas um minuto e cinquenta e sete segundos”, conta Lucas*. O tempo citado pelo adolescente faz alusão ao número do artigo no Código Penal que caracteriza o roubo (157). Às vésperas de completar 19 anos, o garoto vai passar o aniversário na Unidade de Internação do Recanto das Emas (UNIRE). Há oito meses no local, conta que está em sua oitava passagem pelo Sistema Socioeducativo. “A primeira vez que me pegaram eu tinha 12 anos e não aconteceu nada. Nas outras vezes eu nunca passei mais de 45 dias internado”. O morador da Estrutural, filho de uma auxiliar de cozinha e um motorista, começou a praticar roubos para ter aquilo que os pais não podiam lhe dar. “Vários meninos, a mãe leva ao shopping e fala para escolher o que quer. Quando ia com minha mãe à feira, ela me falava para escolher um ‘pano’ (roupa). Tem menino que nasce em berço de ouro e tem tudo, eu não.  Com um salário de R$900 minha mãe nunca vai poder comprar coisas caras para e mim e meus irmãos. Foi então que comecei a roubar”, relata.
A dificuldade na vida não se limita ao âmbito financeiro. Ele segue os passos do irmão mais velho, evadido do sistema socioeducativo, e lida com a relação conturbada com o pai. Por isso, recebe apenas a visita da mãe. "A visita acontece sábado à tarde. Quando minha mãe tem dinheiro vem. Não é sempre que ela pode. No início meu pai vinha, mas parou. A minha irmã veio uma vez, tem uns três meses, mas não gosto que ela venha. Meu irmão não pode nem pensar em chegar perto, capaz de ficar por aqui mesmo".
Após anos na vida criminosa e diferentes atos infracionais cometidos, o jovem diz não ter medo da reclusão e sente falta da rua. "O cara tem que ficar tranquilo, ‘puxar de boa’ para sair logo. Cadeia só é ruim para safado e pilantra. Aqui dentro não tem como fazer nada. Sinto falta da rua, da minha liberdade, mas tenho consciência de que vou sair daqui um dia."
Cursando a oitava série do ensino fundamental, Lucas diz que muitos pensam em fazer faculdade e mudar de vida, mas sabe que a realidade das ruas é bem diferente. "Aqui dentro o cara sempre diz querer mudar, mas quando chega lá fora tudo volta a ser como antes. Em Brasília existem muitas guerras. É um querendo matar o outro. Lá fora, toda hora, um te procura. Sabem de onde você é e ‘dá mal’. Aí fica difícil sair", explica.
Em meio aos frios relatos das experiências, um brilho nos olhos e um pensamento de mudança surge na história de Lucas. “Eu tenho vontade de terminar a escola e fazer faculdade de educação física um dia”. No instante seguinte, porém, o sonho de ser um educador é colocado de lado, e a dura realidade volta a estampar o rosto e as últimas palavras do adolescente na entrevista. “Eu não consigo viver honestamente só com mil reais. Tenho consciência de que vou sair daqui e continuar no tráfico. Não posso mais 'dar mole' em esquina vendendo droga, por isso vou colocar alguém para vender pra mim. Eu sou do crime. Tudo o que vem é lucro”, finaliza.





*Os nomes dados aos menores são fictícios para a preservação da identidade dos personagens, assegurada pelo artigo 17 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Por Juliana Lauermann (lauermannjuliana@gmail.com) e Vicky Pisco (vickypisco7@gmail.com)