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Dores e delícias da conquista no esporte

Atletas de alto rendimento superam os limites do corpo para chegar o pódio e provar sua qualidade como profissionais

Foto: Ana Luiza Campos
Esqueça por um instante medalhas, conquistas, vitórias, a imagem de sorrisos trilhada pelo hino nacional. No pódio ou no chão suado da quadra, tem outro sentimento invisível que não está grafado no troféu: dor. Palavra pequena na escrita e gigante na memória dos atletas de alto rendimento, é ela que chega antes das competições, durante mundiais ou nos treinos, e sempre na superação de limites. O objetivo de um atleta de alto rendimento é a honra e a glória de vencer, de ser o melhor, de ser o campeão. Esses momentos de brilho e reconhecimento são, por muitas vezes, mascarados por uma dura rotina de treinamento, que a maioria das pessoas desconhece. Dentre todos esses esforços que envolvem a rotina de um atleta de ponta, fica uma questão: qual o limite do corpo de um esportista profissional? (Assista ao mini-documentário sobre o tema, ao final desta página)

“A dor e o treinamento andam juntos”, afirma Shirlene Coelho, paratleta de atletismo de 34 anos, medalhista de ouro nas últimas Olimpíadas de Londres (2012). A sobrecarga de treinamentos é rotina na vida de qualquer atleta que busca bons resultados. Por isso, é importante destacar que avaliações clínicas são primordiais para diferenciar dores de treinamentos e lesões. Para Glauber Henrique, 29 anos, atleta da seleção brasileira de natação, o dia a dia não é normal. “O atleta de alto rendimento não é uma pessoa saudável, porque ultrapassa o limite do nosso corpo todos os dias”. Ele conta que muitas vezes chega em casa, após o treinamento, chorando de dor.

Foto: Arquivo pessoal
Lesão e sensação dolorosa

“O atleta de alto rendimento é submetido a uma rotina intensa, que envolve demandas física, técnica e psicológica”, destaca Márcio Oliveira, especialista em fisioterapia esportiva e doutor em avaliação e reabilitação do aparelho locomotor no esporte. Segundo ele, tudo isso somado gera estresse, e a dor faz parte desse processo. O atleta sempre trabalha no limite. O fisioterapeuta explica que essa dor está relacionada à microlesão e quadros de fadiga que geram contratura, mas não é necessariamente uma lesão. Ou seja, no treino, o atleta busca a sobrecarga e depois a recuperação.

Segundo Márcio Oliveira, pesquisas mais atuais mostram que, no universo do alto rendimento, 40 a 80% dos atletas sentem algum tipo de dor. A modalidade do esporte e a faixa etária do atleta influenciam o diagnóstico. Porém, quando os esportistas são questionados se realmente estão lesionados, pouquíssimos afirmam que sim. “Essa grande sobrecarga física, técnica e psicológica, associada ao alto risco de lesões e à exigência do alto rendimento, faz com que a carreira desses atletas seja realmente curta”, explicou o especialista. Poucas equipes, clubes e modalidades fazem planos de aposentadoria para os atletas. Esta é uma preocupação mundial, de acordo com Márcio Oliveira. Ele relata que os grandes congressos de medicina do esporte, atualmente, têm como pauta a vida após a carreira esportiva.

Segundo o artigo “A dor entre atletas de alto rendimento”, publicado na Revista Brasileira de Psicologia do Esporte, em junho de 2010, a sensação dolorosa e a dor têm definições distintas. Escrito por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), o estudo aponta que a lesão é uma experiência sensitiva e emocional desagradável, associada ao dano real ou potencial dos tecidos. Já a dor é sempre subjetiva, por ser uma percepção de cada indivíduo, que por meio de experiências prévias, aprende a lidar com a situação.

Os autores têm como base a noção de que atletas treinam com regularidade e buscam objetivos específicos — como a superação dos próprios limites e tempos ou a conquista de algum resultado próprio. A dor do treinamento, segundo o estudo, é necessária às adaptações fisiológicas do corpo para se fortalecer. A dor da lesão, por outro lado, retira os atletas da rotina de treinamentos. Todos os entrevistados para a pesquisa afirmaram que essa linha é muito tênue e acaba sendo ultrapassada durante a carreira esportiva.

Resistência

Pelo fato de a dor ser considerada uma percepção, a cabeça do atleta está programada para lidar com ela. “Ele vai conseguir suportar mais ao longo do tempo e chegar mais longe”, explica o especialista em medicina do esporte e performance, Ricardo Franco. O corpo de um atleta é muito mais condicionado a se recuperar, principalmente no que se trata de musculatura.
Treinos regulares proporcionam a hipertrofia (síntese de células musculares) tecidual dos músculos, como mostra a figura abaixo. Isto é, treinamentos resistidos de alta intensidade ocasionam a síntese de proteínas contráteis (fibras musculares que exercem contração e extensão), além de recrutamento e comprometimento das células que regeneram a musculatura. É o que aponta o Núcleo de Estudos em Esporte e Ortopedia (NEO)

O médico Ricardo Franco explica que os treinamentos causam microlesões no tecido muscular. Quando são regeneradas pelo organismo, elas levam à hipertrofia do músculo. Tal situação é um resultado da adaptação muscular ao esforço, e tem a finalidade de deixar o músculo mais forte para poder suportar o desgaste em uma oportunidade futura.

Limites

Márcio Oliveira explica que atletas no limite do estresse começam a apresentar alterações dos sinais vitais, como frequência cardíaca, frequência respiratória, pressão arterial e alterações no humor, como irritação e antipatia. “Além disso, podem aparecer quadros de contraturas musculares, déficit de atenção e inflamação de alguns tecidos que, hoje, já podemos identificar por câmeras de termografia”, descreveu.

Iranildo Espíndola, 47 anos, paratleta da seleção brasileira de tênis de mesa em cadeiras de rodas e medalhista do último Panamericano em Toronto, assegura que se cobra muito. Para ele, o limite é quando não conseguir fazer mais nada, nem ao menos levantar o braço para jogar. Mas reconhece: “Preservar a nossa integridade física é o mais importante”.

Foto: Ana Luiza Campos

As situações de exaustão são perigosas para a saúde e o rendimento do atleta. De acordo com o médico Ricardo Franco, o limite do corpo significa que as fibras musculares estão trabalhando em condições extremas. É nesse momento que o corpo fica mais vulnerável a lesões. Portanto, é fundamental saber o momento de parar.

Uma equipe multidisciplinar, como a que acompanha Iranildo, é indispensável para qualquer atleta de alto rendimento. E nesses momentos de exaustão, podem ser decisivas para a integridade física do atleta. “Se depender de mim, eu vou até onde a cabeça e o braço aguentar, ainda mais se estiver em competição. Por isso é importante a intervenção deles (equipe)”, revela. Mais do que atleta realizado, Iranildo se emociona ao revelar que a vida no esporte trouxe satisfação pessoal: “O esporte me devolveu autoestima, qualidade de vida, mostrando para mim que a pessoa com deficiência também tem valor”.

Superar obstáculos

“Acho que ninguém gosta de dores — eu detesto -, mas o engraçado é que nos meus melhores resultados, nos mais importantes, eu estava com algum problema de dor e tive que superá-la”, confessou Iranildo. No mundial de 2013, ele estava com uma dor terrível na região abdominal e, posteriormente, chegou a ser operado por um problema no apêndice. Mesmo assim, competiu, chegou à final e foi campeão. Ele conta que pensou em todas as pessoas que torciam por ele. “Na hora da premiação, você chega a esquecer a dor. Logo após a competição, eu fui internado para fazer a cirurgia”, disse.

Abrir mão de momentos de entretenimento, deixar a cidade a cidade natal em busca de melhores condições de treinamento, ficar longe da família, do namorado e dos amigos para vir treinar em Brasília. Luana Lira, 20 anos, atleta da seleção brasileira de saltos ornamentais, escolheu passar por tudo isso para seguir firme no objetivo que tem: crescer no esporte e participar de competições internacionais. “Esse é meu sonho”, confessou ela. Para ela, vale a pena ser determinado, ter disciplina e cumprir os treinos. Afinal de contas, “tudo vale a pena para chegar e estar ali em cima do pódio”.

Foto: Ana Luiza Campos

Glauber, da natação, tem uma lesão grave que, às vezes, atrapalha o treinamento — uma tendinite aguda na cabeça longa do bíceps, no ombro esquerdo. Ele relata que a dor o acompanha há cerca de dez anos e, por isso, faz fisioterapia diariamente desde então. “A gente que é atleta treina com dor. Então, é sair daqui da piscina e ir direto para a fisioterapia para aliviar”, conta ele.
Atletas de alto rendimento têm que superar a dor para continuar o treinamento, de acordo com Shirlene, do atletismo. Mesmo quando está com lesão, ela procura fazer o movimento completo, “porque é lá que eu tenho que mostrar minha qualidade como profissional”. E enfatiza: “Vale a pena a dor, o treinamento, tudo para conseguir chegar a uma paralimpíada ou competição internacional”.

Prevenção

Pode-se dizer que, na década atual, a prevenção realmente se tornou realidade, especialmente no Brasil, conforme destacou o fisioterapeuta Márcio Oliveira. “Hoje fala-se e faz-se prevenção”. Ele revela que ter uma mentalidade preventiva é a melhor opção na medicina esportiva. No entanto, prevenir não é erradicar as lesões do esporte. Segundo o especialista, isso é impossível, mas existe a chance de diminuir o número de ocorrências e a gravidade das lesões. Isso é feito de maneira multidisciplinar — diagnósticos precisos das eventuais alterações, avaliação biomecânica do corpo para ver fatores que podem gerar lesões, alimentação e repouso adequados e com estratégias específicas que envolvem a correção do gesto esportivo, controle de atividade que o atleta faz e da carga de atividade.

Luana, dos saltos ornamentais, diz que o corpo dá sinais quando se aproxima da exaustão. Ela, Glauber, Iranildo e Shirlene acreditam que vale a pena, pelo esporte. Confira no mini-documentário abaixo:



Confira a reportagem na versão impressa para o Jornal Esquina: 

Por: Ana Luiza Campos