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A escravidão dos tempos modernos (parte 2)

( parte 2 reportagem)

Um crime que se torna invisível
O fim da exploração pode acontecer de várias maneiras. Algumas vítimas conseguem fugir, outras conseguem ajuda e outras pagam a dívida e se tornam livres. "Essas pessoas quando voltam, chegam normalmente muito fragilizadas, tanto fisicamente quanto mentalmente", afirma o pesquisador Mário Ângelo. O maior problema para o combate ao tráfico se encontra nesse momento, em que as vítimas chegam e não aceitam fazer nenhum tipo de denúncia, tanto por medo de serem perseguidas pelos traficantes quanto por vergonha da prostituição. " Contar sobre o tráfico, para elas é admitir um fracasso", explica Mário. O pesquisador ainda acrescenta que de fato há muitos relatos de perseguições às vítimas a mando dos traficantes e que essa questão dificulta muito a fiscalização e punição dos traficantes, por isso é um crime que se torna invisível para a sociedade.
Quando Fabiana conseguiu se tornar livre do tráfico, não pode voltar imediatamente ao Brasil. A goiana ainda permaneceu um tempo na Espanha e depois na França juntando dinheiro para retornar de forma regular. Hoje, ela mora na Ceilândia, é estudante de direito e assistente administrativa de um escritório de advocacia. Durante esses 12 anos que se passaram desde o tráfico, Fabiana conta que já pensou em denunciar, mas que não acredita que isso possa resolver alguma coisa hoje. "Pra você denunciar o crime e fazer com que o governo olhe pra ele, uma tragédia precisa acontecer, e eu não quero ser essa tragédia", afirma. A goiana sofreu um sequestro um pouco após ter retornado ao Brasil, mas até hoje não pode afirmar que foram o seus traficantes.

Enfrentamento
A pesquisa - Saúde, migração, tráfico e violência contra a mulheres -, aponta uma  mobilização internacional bastante expressiva na questão de identificar as rotas e punir os aliciadores. Entretanto, assim como reconhece a UNODC (United Nations Office on drugs and crime - Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime), a prevenção e assistência as vítimas, é um ponto deficitário nesse combate, não apenas no Brasil, mas em todo o mundo. A Subsecretária Geral das comunidades brasileiras no exterior/MRE, Adriana Telles Ribeiro, assegura que o combate ao tráfico de pessoas e a assistência as vítimas requer uma política intersetorial. "É preciso que vários ministérios e vários órgãos, bem como organizações da sociedade civil se coordenem para elaborar uma política eficaz, afirma Adriana. 
Já Mário Ângelo reconhece outro ponto. "O que o governo precisa fazer na verdade é dar condições melhores de vida, trabalho e educação para essas pessoas pra que elas não precisem e não prefiram ir para o exterior", explica o pesquisador. O ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB - Dr. Marcelo Lavenére, explica que é essa alta diferença social no país que gera o problema do tráfico humano. "A raíz desses males todos é a extrema desigualdade e o sistema que privilegia o capital e que mercantiliza tudo. Tudo se torna mercadoria, a biodiversidade da amazônia, as belezas naturais, o corpo da mulher e até a ingenuidade das crianças", ressalta.
Uma das últimas ações do país este ano com relação a temática do tráfico humano foi a posse de 26 novos membros do Comitê Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (Conatrap) que visa o estudo de estratégias para a implementação de políticas públicas e o acompanhamento da implementação dos planos nacionais de enfrentamento ao crime. Além disso, em março, o  Brasil e a Argentina assinaram um acordo para reforçar a coordenação e a cooperação conjunta no combate e prevenção do crime de tráfico de pessoas. O Secretário de Justiça do DF, Jefferson Ribeiro, explica que uma das maiores dificuldades do enfrentamento é ter que trabalhar no escuro. "Não há números concretos, as pesquisas chegam atrasadas e não são totalmente fidedignas. É um crime que, infelizmente, age às escuras", afirma o Secretário.  A Subsecretária Adriana Telles também aponta a questão da falta de dados como uma dificuldade e acredita que essa ausência de informações é devido à falta de denúncias por parte das vítimas.
Sobre o enfrentamento ao tráfico, Fabiana diz que se sente frustrada. "É muito triste saber que esse tráfico só aumenta. É um caso perdido pro estado. Podem até tentar tirar uma menina ou outra, mas sempre vão ter muitas. Os meus traficantes ainda estão lá, fazendo as mesmas coisas de sempre", garante. Para a irmã Eurides de Oliveira, "só será possível a concretização do sonho de uma sociedade sem tráfico de pessoas, se houver uma ampla comoção e mobilização social e política, articulada em redes de proteção e defesa de direitos das populações empobrecidas, vítimas em potencial deste crime hediondo".

Tráfico e Copa

Este ano, o Brasil irá sediar um dos maiores eventos esportivos do mundo. A copa de 2014, segundo dados do Instituto Brasileiro de Turismo - Embratur -, irá atrair cerca de 7 milhões de turistas estrangeiros para o país. A Conferência dos Religiosos do Brasil - CRB - acredita que esse megaevento traz uma série de riscos que podem maximizar condições nas quais pessoas são enganadas com falsas promessas sobre trabalho e melhoria de vida. A Coordenadora irmã Eurides, aponta que nas últimas copas houve um aumento considerável do tráfico de pessoas. "Organizações que atuaram na copa da Alemanha, em 2006, afirmaram que houve um aumento de 30% da exploração sexual no período do evento e organizações que atuaram na copa da África do Sul ,em 2010, também perceberam um aumento de cerca de 40% da atividade. Além disso, as cidades sedes escolhidas para a copa, Salvador, Fortaleza, Rio de Janeiro entre outras, estão entre as principais rotas da exploração sexual", afirma a coordenadora. 
O pesquisador Mário Ângelo explica essa questão: "Aproveitando de vem um número muito grande de estrangeiros para o Brasil, as redes do tráfico já se organizam e aliciam as meninas pra servirem esses estrangeiros. Depois, para elas seguirem para o exterior com eles é muito mais fácil", garante. O Secretário de Justiça, Jefferson Ribeiro também menciona o grande potencial do aumento do tráfico de pessoas na copa: "Espera-se receber aqui no Brasil nesse período, cerca de 600 mil turistas estrangeiros e mais de 3 milhões de turistas nacionais que estarão transitando nos diversos estados brasileiros. Há com certeza o risco de exploração sexual e tráfico", finaliza.
  O tráfico de pessoas é tema de duas campanhas este ano. A Rede "um grito pela vida" criou a campanha “Jogue a favor da vida – denuncie o Tráfico de Pessoas" e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB - tem como Campanha da Fraternidade deste ano o lema "É para a liberdade que Cristo nos libertou". A primeira tem o objetivo de alertar sobre os riscos antes e durante a Copa do Mundo e a segunda pretende divulgar e conscientizar sobre a questão da prevenção e denúncia ao crime. O Secretário Geral da CNBB, Dom Leonardo Steiner explicou o por que do tema tráfico de pessoas na Campanha da Fraternidade deste ano: "A gente procurou com esse tema, abrir os olhos da sociedade, mostrar que a realidade do trafico humano é uma realidade tão dura e sofrida que as pessoas não são mais tratatas como pessoas. Então, nós precisamos resgatar essas pessoas para que elas possam viver livres de novo". 

A questão do tráfico humano na copa também foi tema de uma coletiva realizada hoje, dia 14, na  sede da Conferência dos Religiosos do Brasil, em Brasília-DF. O evento reuniu  a imprensa, órgãos e instituições afins,  para discutir a temática da campanha "Jogue a favor da vida - denuncie o Tráfico de Pessoas".  Estavam reunidos na coletiva os seguintes representantes: A Vice-Presidente da CRB Nacional, Irmã Maria Ribeiro, a Coordenadora da Rede "um grito pela vida", irmã Eurides de Oliveira, o Secretário Geral da CNBB, Dom Leonardo Steiner, o Secretário de Justiça, Jefferson Ribeiro e o Ex-Presidente da OAB, Marcelo Lavenére. A campanha propõe várias ações para o período da copa. Segundo a Irmã Eurides serão feitos  plantões de divulgação, de distribuição de material e de instrumentalização, principalmente em aeroportos, rodoviárias, pontos de maior fluxo de pessoas e centros turísticos. Além disso, o grupo também realizará reuniões com organizações do governo para garantir que os serviços de proteção e segurança sejam efetivos e ainda irão preparar e mapear os pontos de atendimentos onde as pessoas poderão fazer as denúncias.

Prevenção

O Conselho Nacional de Justiça - CNJ - destaca as seguintes orientações para casos de indícios de tráfico humano:
1) Duvide sempre de propostas de emprego fácil e lucrativo.
2) Sugira que a pessoa, antes de aceitar a proposta de emprego, leia atentamente o contrato de trabalho, busque informações sobre a empresa contratante, procure auxílio da área jurídica especializada. A atenção é redobrada em caso de propostas que incluam deslocamentos, viagens nacionais e internacionais.
3) Evite tirar cópias dos documentos pessoais e deixá-las em mãos de parentes ou amigos.
4) Deixe endereço, telefone e/ou localização da cidade para onde está viajando.
5) Informe para a pessoa que está seguindo viagem endereços e contatos de consulados, ONGs e autoridades da região.
6) Oriente para que a pessoa que vai viajar que nunca deixe de se comunicar com familiares e amigos.
7) Em caso de Tráfico de Pessoas, denuncie. Disque denúncia: 100 ou 180

*Os depoimentos da Delegada da Polícia Federal, Paula Dora, e da Subsecretária Geral das comunidades  brasileiras no exterior, Adriana Ribeiro, foram tirados de material fornecido pela UnB - Pesquisa " Saúde, migração, tráfico e violência contra mulheres" - UnB e Ministério da Saúde.

Por Yasmin Almeida