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Mulheres sofrem com a exposição da intimidade

Sem punições a criminosos, vinganças de ex-namorados causam temor


     Ela se levantou atrasada para ir à escola, como de costume. Tomou um café preto e comeu um pedaço de pão dormido. Deu bom dia para o porteiro do prédio, que a olhou de forma diferente do costume. Seguiu o caminho para escola. Cochichos, dedos apontados, risos e várias pessoas olhando para o celular. Resolveu checar as mensagens que recebera na noite anterior. Os olhos se negavam a acreditar no que estavam lendo. O ex-namorado, que não aceitava o fim do relacionamento, divulgou imagens dela nua em grupos do whatsapp. No final, a garota entrou em depressão e se matou. Eis um roteiro comum nos nossos tempos tecnológicos e no vácuo de uma legislação que ainda não tem punido esse tipo de crime.
     A vítima em questão pode atender por vários nomes, como Júlia, 17 anos, que se suicidou após ser vitima de revenge porn em 2015, no Rio de Janeiro; ou Giana, 16, que passou por uma história semelhante na mesma época, também no Rio.
    Apesar de homens e mulheres produzirem e compartilharem a imagem com os companheiros, as pessoas que se identificam com o gênero feminino são as que mais sofrem – 80% dos casos são relatados por mulheres. Uma pesquisa realizada pelo site de denúncia e apoio às vítimas, Safernet, constatou dado alarmante: em 2014, aproximadamente 224 garotas sofreram desse tipo de agressão virtual. No ano passado, o número aumentou, e chegou a 322 denúncias.


     “Revenge porn” (do termo em inglês que define essa ação criminosa de vingança) é uma forma de agressão que acompanha o crescimento da tecnologia. Quanto mais rápido e fácil for viralizar um vídeo ou um conjunto de imagens, melhor para quem comete esse crime. "Nos últimos anos, a gente percebeu um aumento significativo de denúncias de meninas que tiveram fotos íntimas expostas na internet, o que nos fez perceber que esse tema é muito importante e sensível, porque o sofrimento é muito grande. Há dois anos tivemos um caso amplamente noticiado, de duas meninas que não suportaram a pressão e cometeram suicídio", lembrou a psicóloga Juliana Cunha, coordenadora do canal de ajuda da Safernet, referindo-se a Júlia e Giana.

     A pornografia de vingança, como a maioria dos fenômenos tecnológicos ou comportamentais, não pode ser explicada por uma ou duas razões definitivas. “É preciso tomar cuidado com a pergunta ‘Por que as pessoas fazem isso? ’”, diz Luli Radfahrer, professor de comunicação digital da USP (Universidade de São Paulo).

    Apesar da imprecisão, alguns fatores abaixo podem ajudar a entender como fotos ou vídeos íntimos são tirados e acabam indo parar nas mãos de uma rede de desconhecidos. Mostram também como a vítima se torna culpada por um crime cometido contra ela mesma.

     Os jovens de hoje são mais tecnológicos e mais acostumados com a exposição do corpo. “Para pessoas mais velhas, enviar um nude (foto própria de nudez) é impensável, mas para a nova geração é normal, porque ela já nasceu no meio de tudo isso”, afirma Radfahrer. Segundo estudo do Datafolha, estudo feito em junho de 2015 com 2.437 brasileiros a partir de 12 anos, 24% dos adolescentes de 12 a 15 anos recebeu seu primeiro smartphone antes de completar dez anos de idade. Já os adultos maiores de 25 anos só adquiriram esse tipo de aparelho com mais de 30 anos (47%).

O que leva alguém a divulgar a intimidade alheia?

     “Você foi passado para trás em uma sociedade competitiva”. Essa ideia pode fazer com que alguém que foi “abandonado” ou traído exponha o outro. “Negociar a intimidade de alguém é como ter um pequeno poder. Normalmente pessoas que acuam o outro, que querem extorquir o outro, têm sérios problemas de autoestima ou não sabem lidar com perdas”, afirma o psicólogo e terapeuta sexual Paulo Tessarioli. “A partir do momento em que algo envolve sexo, pode tomar uma proporção inimaginável”, afirma Carolina Parreiras, socióloga e pesquisadora na área de pornografia na internet.

      Em 2014, 81% das vítimas atendidas pela ONG Safernet era do sexo feminino – o restante, em sua maioria, era de homens homossexuais, de acordo com a coordenadora psicossocial Juliana Cunha.

      Isso acontece por duas principais razões, segundo a jornalista Juliana de Faria, criadora do blog feminista Think Olga: “Primeiro, porque o corpo da mulher é hipersexualizado, não é visto só como um corpo, e sim como uma ferramenta sexual. Segundo, porque a mulher sempre foi entendida como um ser que deve ficar no ambiente privado. A partir do momento em que ela cai na internet, precisa ser punida ou se sentir envergonhada. É uma forma de colocá-la no lugar dela”, diz a jornalista. “Não é algo que as pessoas pensem conscientemente, claro, mas já está dentro da gente, porque vivemos em uma sociedade patriarcal.”

     Muito ligado ao machismo, o julgamento é o ponto que tem mais impacto na vida das pessoas expostas – chega até a levar algumas delas ao suicídio. É também o que transforma as próprias vítimas em responsáveis pelo crime.

    Uma reação comum em casos de pornografia de vingança, tanto entre homens quanto entre mulheres, é: “Mas também, por que é que ela foi tirar fotos pelada? Era óbvio que isso ia acontecer”. “Sempre que vaza alguma coisa que se choca com os valores que a sociedade defende, ela se manifesta para mostrar que é contra aquilo. É como se cada um fosse um representante dessa moral e desses bons costumes”, explica o psicólogo e terapeuta sexual Paulo Tessarioli. Para o professor de comunicação digital Luli Radfahrer, julgar a vítima é um segundo crime, tão grave quanto o de espalhar as imagens.

       As vítimas do revenge porn estão espalhadas em todo o mundo, e muitos danos são irreparáveis, quando esses acontecimentos levam as vítimas ao suicídio. Porém, a outra parcela que resiste, sempre precisa mudar de escola, faculdade, trabalho, etc., mostrando cada vez mais que um tabu precisa ser quebrado acerca da sexualidade feminina. O que não falta é alguém para contar sua história, falar como se sentiu em relação a tudo isso: à exposição, aos xingamentos, à repressão familiar. Diferentemente de outros casos, a pernambucana Rhuanna Nurryelly fez um ensaio sensual após ter sido exposta, e mudou a opinião de todos sobre o caso.



        L., 17 anos, não teve o mesmo apoio encontrado por Rhuanna. Conheça a história:






por Marya Cecília Castro e Pedro Henrique Castro