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Tatuadores escolhem o Conic como novo reduto da tatuagem na capital federal

Das pinceladas aos rabiscos, do clássico ao marginal, artistas tentam vencer o preconceito e marcar o brasiliense em um dos locais mais tradicionais da cidade.


O CONIC possui 12 estúdios de tatuagem atualmente
Foto: Marina Lima 
A tatuagem tem conquistado espaço ao se tornar uma forma de expressão da arte mais comum nos tempos atuais. Para os artistas da agulha, a barreira do preconceito ainda é grande, mas a busca pelo reconhecimento é necessária. O que antes era visto como marca para simbolizar o pertencimento a um determinado grupo, hoje representa homenagens, criatividade ou puramente a vontade de enfeitar a pele com um desenho. Em um dos maiores polos culturais da capital federal, o Conic, visitamos cinco estúdios de tatuagem que atendem mais de 50 brasilienses por mês. Com o amor pela arte, os tatuadores enfrentam todas as barreiras para verem suas obras “ andando pela cidade”.

Rodolfo Barral, 31 anos, nasceu em Brasília, é tatuador há sete anos e dono do próprio estúdio há dois. Mesmo com uma forte influência do desenho na sua vida, Barral nem sempre viu a tatuagem como profissão. “ Eu cheguei a parar de desenhar por um tempo, com uns 14 anos”. Quando começou a trabalhar em uma loja especializada em piercing e tatuagens, o artista começou a se reaproximar do desenho e percebeu que essa poderia ser a forma principal de sustento.

O tatuador Rodolfo Barral retocando a tatuagem do colega de trabalho
Foto: Marina Lima
Rodolfo diz que, apesar de muitas pessoas ainda não entenderem a tatuagem como forma de expressão, os desenhos muitas vezes assumem significados ou são puramente estéticos. “Acho que cabe tanto como enfeite quanto forma de expressão. Tenho tatuagens que têm um significado forte para mim. Atualmente, acredito que seja um networking da arte, porque quando vem amigos de fora pra cá, sempre deixo uma marca do trabalho deles em mim”.

A paixão artística desde pequeno é um denominador comum em vários artistas do ramo.“Não foi bem decidir virar tatuador, foi influência da arte que eu respiro”, essas foram as palavras de Luan Bites, 23 anos, que tatua há três anos e se inspira nos desenhos do dark e do realismo.“Nunca fui de brincar com as coisas comuns que qualquer moleque gostava de brincar, como bola ou pipa. Gostava de construir coisas, desenhar, montar lego, tudo mais relacionado à arte. Apesar de não saber que já significava algo assim”. Aos 18 anos, procurou saber mais sobre o trabalho e o estilo de vida que a tatuagem provocava, a fim de criar um foco pessoal na profissão que queria desempenhar.
"O processo começa a partir do estudo do desenho", diz Luan
Foto: Marina Lima

Com o crescimento da profissão, uma visão deturpada desses profissionais começou a surgir no senso comum: alguém todo rabiscado, mal encarado e com um jeito meio “malandro”. Breno Vieira, 21 anos, mostra justamente o contrário. Com personalidade tranquila, Vieira é tatuador há dois anos, mas possui apenas um desenho marcado no corpo. “Eu seleciono o que vou tatuar em mim. Eu penso muito antes de fazer, vai ficar marcado pelo resto da vida. Não é apenas fazer e acabou, mas sim estudar, entender, ver se aquilo representa algo realmente profundo. Pra mim é arte e arte precisa contar algo”.

PRECONCEITO

Numa mescla de culturas e gêneros, o lar desses profissionais é no Conic. Eles querem ser reconhecidos e ter a arte como essência fundamental no que trabalham. Vieira enxerga o local como patrimônio da cidade e berço de várias iniciativas culturais na capital. “O Conic representa muito Brasília. É e sempre foi um lugar para pessoas do ‘nosso tipo’ e não sei como não enxergam que é um lugar para todos. O grande problema é que a visão daqui é de um local para prostitutas e drogados mas, na realidade, é muito mais do que isso”.

Apesar do fundo artístico, das criações e das homenagens, a tatuagem ainda carrega uma imagem marginalizada e rotulada para um só tipo ou tribo de pessoas. Outro pensamento comum, é não entender o porque de se tatuar, levando a questionamentos sobre autoflagelação ou rebeldia. Barral contou que já se sentiu deslocado em alguns locais públicos. “Já sofri várias vezes com esse tipo de preconceito. Os olhares não me incomodam tanto, o que me deixa triste são as pessoas mal-educadas. Já sentei em um restaurante e a pessoa fazia questão de falar alto para que eu pudesse ouvir ela falando que tatuagem é coisa de bandido”.

Em alguns casos, os problemas surgem fora e dentro da própria casa. Foi o que aconteceu com Breno, que já pensou em desistir algumas vezes do talento e do amor pela arte e pelo desenho, para que não tivesse mais problemas com os pais. “Era complicado, foi um momento um pouco delicado. Meus pais não queriam que eu trabalhasse com tatuagem antes de aparecerem os frutos”.


PERFIL



“É como se fosse uma exposição”, diz tatuador

Antônio Alessandro: "Posso assustar alguns, mas minhas filhas se amarram"
Foto: Marina Lima


Antônio Alessandro, de 26 anos, carrega um perfil que pode assustar algumas pessoas. A partir do momento em que começa a conversar, mostra muita inteligência, educação e cordialidade. Pai de duas meninas, Sofia, de dois anos, e Nicole, de um ano, se mostrou protetor e coruja com as pequenas crias. Alessandro escolheu o mundo da tatuagem por ter encontrado na arte a paixão para criar. “Pra mim é tudo, é vida. Vivo disso porque gosto mesmo, é amor. É gratificante pensar que estou criando uma exposição da minha arte, pois todos que passam por aqui, carregam minhas criações. Isso é ótimo”.

Alessandro encontrou uma nova “casa” dentro do polo cultural do CONIC, não apenas pelas manifestações artísticas mas também pela cultura do skate no local. O tatuador tinha como plano B treinar para ser skatista, assim, o útil e o agradável foram encontrados na área. “Aqui é o lugar que recebe todo o tipo de pessoa né? Sempre andei por aqui, desde mais novo, atrás de vários tipos de coisa. Vinha para encontros de skatistas, comprar camisetas legais e diferentes e foi aqui que tive meus primeiros contatos com a tatuagem. Eu amo esse lugar”.

O estilo artístico de Alessandro é bem conhecido no CONIC. O tatuador faz traços bem definidos, desenhos bem detalhados e estudados, mostrando uma sensibilidade que não era imaginada. O artista busca aprimorar cada vez mais as técnicas utilizadas, pois, segundo ele, o mundo da tatuagem se renova sempre. “Temos que nos renovar sempre. Hoje existem algumas tendências mais procuradas, como o realismo. Mas procuro aprimorar meu estilo, não penso em dinheiro, é importante, mas a marca que deixarei eu acho maior”.

Entretanto, apesar da grande personalidade e das qualidades de Alessandro, a aparência que o tatuador carrega, provoca ainda algumas atitudes preconceituosas. O artista acredita que essas situações não são motivos para se manter calado e apesar de entender que alguns motivos são históricos e culturais, deixar de reagir só serve para que o assunto continue sendo visto de forma pejorativa, igual a homofobia e o machismo. “Sempre rola, quase todo dia. Hoje em dia não é qualquer coisa que mexe comigo. principalmente quando são crianças, porque entendo que é algo diferente. Mas para outros casos, responder à algumas ofensas pode mostrar muito mais sobre o que somos”.



Por Felipe Oliveira e Marina Lima