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Em um país em que mais de 13 milhões de cidadãos acima de 15 anos podem ser considerados analfabetos, estudar um segundo idioma é um ato desafiador. Enfrentar a desigualdade social e mudar o próprio destino através da educação é um caminho que está sendo traçado por Paloma Pinheiro.
A jovem de 18 anos é estudante de Relações Internacionais na Universidade de Brasília (UnB), e apostou no estudo de línguas para escrever a própria história. “Comecei a estudar Inglês aos 11 anos, quando minha mãe me matriculou no CIL (Centro Interescolar de Línguas). Desde então eu não parei mais de estudar outros idiomas”, afirma.
Fluente em Inglês e Alemão, Paloma começou a estudar Francês no ano passado “O curso que eu escolhi tem um mercado de trabalho competitivo. E essa área, especificamente, exige um alto conhecimento em línguas”, afirma a jovem.
Filha de empregada doméstica, Paloma foi matriculada em inglês para que tivesse um futuro melhor. Em pouco tempo já falava bem e decidiu, com incentivo do pai, começar o estudo de alemão.
Aos 15 anos, Paloma fez o primeiro intercâmbio. Selecionada entre vários alunos da escola, a jovem teve todas as despesas pagas pelo CIL para passar um mês em Frankfurt, na Alemanha. “Eram só 37 vagas para o Brasil todo. Uma delas foi minha. Minha família não teria condição de pagar um intercâmbio. Se não fosse tudo pago eu não iria. Foi uma experiência ótima. E como havia gente de todo o mundo, a gente tinha mesmo que falar alemão. Isso foi muito bom para praticar”.
A jovem ainda ressalta que o fato de ser uma mulher negra tornou os desafios maiores. “ As pessoas se espantam quando eu digo que falo inglês e Alemão”, afirma.
Paloma achava difícil conseguir outro intercâmbio. Ela conquistou uma das 37 vagas disputadas entre 12 mil estudantes brasileiros. “Eu achava que tinha tido sorte da primeira vez. Mulher e negra. Em que mundo eu ia conseguir isso?”, relata. “Até que eu comecei a buscar outras oportunidades e conheci o Jovens Embaixadores e fui para Washington. Lá eu estudei e fiz trabalho voluntário. Como dessa vez estava mais velha, pude compreender melhor que os Estados Unidos não é um país perfeito, e que tem problemas sociais muito complicados também".
No mesmo ano, em um projeto do Governo do Distrito Federal, Paloma foi com outros 49 alunos estudar na Universidade do Arizona. "Dessa vez foi um intercâmbio mais técnico. Aprendemos sobre empreendedorismo e liderança. Foi único, assim como as outras vezes".
“Para mim, é uma questão de oportunidade. Eu me identifico como mulher negra e é isso que eu sou. Infelizmente, eu sei que eu sou uma exceção por conseguir o que consegui. A grande maioria não teve as oportunidades que eu tive. E por isso eu quero ser um exemplo para as meninas negras. Eu tenho certeza que se elas tivessem tido as mesmas oportunidades que eu tive elas chegariam tão longe quanto eu. Eu quero que elas saibam disso”.


Inclusão Social


Rayza Brenda, de 18 anos, é professora de Inglês há três anos e meio. Filha de uma costureira e um mestre de obra, o aprendizado do segundo idiomas foi um diferencial não apenas na vida da jovem, mas na vida da família. “Aos 15 anos, quando eu percebi a importância do conhecimento, achei que deveria passar adiante. Então eu comecei a dar aulas de Inglês. Isso foi muito importante para a minha família porque meus pais conseguiram juntar dinheiro. Eles reformaram a casa, compraram um carro. Essas coisas mudaram o nosso padrão de vida”, afirma.
Assim como Paloma, Rayza também foi selecionada para o intercâmbio na Universidade do Arizona com todas as despesas pagas pela escola, durante um mês. “Lá, nós estudamos sobre liderança e empreendedorismo. Tivemos oportunidade de conhecer vários lugares. Foi realmente muito enriquecedor”.
O segundo idioma também possibilitou que Rayza pudesse escolher o que queria cursar na faculdade. A jovem está no primeiro semestre da faculdade para Licenciatura em Letras - Inglês. “Quando não falamos outro idioma, infelizmente as opções diminuem. As pessoas até me olham com outros olhos quando descobrem que falo inglês. Quando comecei a estudar inglês, descobri que queria fazer isso o resto da minha vida. Agora, estou estudando para isso”, relata.
O professor especialista em linguística, Marcos Bagno, explica que a sociedade brasileira sofre de um grave problema quando o assunto é educação. Apesar de programas sociais implantados nos últimos anos, o Brasil vem arrastando o problema da falta de educação há 500 anos. “ Somos herdeiros de uma sociedade colonial, em que a educação nunca foi prioridade”, explica.
Bagno ainda explica que há diversos fatores de inclusão social. Um somado a outro pode sobressair em detrimento do conhecimento de idiomas, considerando que a inclusão social se dá por uma série complexa de fatores “O conhecimento de línguas estrangeiras sempre foi mitificado como uma espécie de “alto saber” que torna a pessoa digna de algum respeito diferente, como se fosse um conhecimento “especial” que torna alguém “superior”, afirma. “A pessoa pode falar muito bem uma língua estrangeira. Mas se for negra e pobre, por exemplo, é mais do que certo que será preterida em favor de outra que não tenha essas características sociais”, ressalta.


Oportunidades


A professora de Espanhol Ana Eulália Moura, 43  anos, deu aulas no CIL durante quatro anos. Para ela, o estudo de um novo idioma pode abrir novas portas e mudar o futuro de muitos jovens. “Não é apenas a habilidade de falar uma outra língua. Esses jovens começam a ver outras oportunidades, novos horizontes para ter um futuro melhor”, explica.
Ana Eulália ainda relata que a situação vivida por muitos desses jovens. A maioria deles, com uma vida precária e sem oportunidades, não tem acesso a internet. “É importante ressaltar que muitos desses jovens que não esperam muito da vida. Com um novo idioma, acabam viajando o mundo e conhecendo outros países dentro da própria sala de aula. Nós, professores, levamos filmes, fotos e músicas que apresentam um universo de coisas novas a eles”, afirma. “Além de aprenderem uma nova língua e uma nova cultura, eles acabam se desenvolvendo em outras matérias na escola”.
A professora ainda conta como alguns dos alunos estão conseguindo ter uma nova vida através do estudo de espanhol. “Tenho alunos que moram em satélites muito distantes e que não têm a vida muito boa. Esses alunos estão me ligando para me perguntar quanto eles devem cobrar por uma aula particular de espanhol. E, quando digo que o valor mínimo deve ser de R$40 por hora eles acham que é muito dinheiro”, afirma.
Gabriel Guimarães, de 19 anos, também está fazendo Licenciatura em Inglês. Filho de costureira, aos 12 anos o jovem pediu à mãe para ser matriculado no curso. “Eu já gostava do idioma. Ouvia música e tentava aprender sozinho. Então minha mãe me matriculou no CIL, já que um curso em uma escola particular é muito caro e ela não poderia pagar”, afirma.

Muito mais que uma paixão, o Inglês foi um divisor de águas para Gabriel. Com a mãe aposentada, o jovem passou a ter mais participação nas contas de casa. “Já estivemos pior. Os meus irmãos mais velhos já estão podendo ajudar agora. Mas é muito bom ver que o estudo de uma coisa que eu amo tanto está podendo ajudar dentro de casa”, afirma. “E nada disso seria possível se eu não tivesse estudado Inglês”.

Assista ao depoimento de Paloma no vídeo abaixo:



Confira a reportagem feita para o Jornal Esquina:


Por Isabella Alvim