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Rio de Janeiro, sonho olímpico que nasceu da superação

O olhar compenetrado, o cuidado com os materiais de trabalho e a precisão nos movimentos fazem pensar que trata-se de atletas comuns. A limitação, ainda que parcial, atesta a condição de cadeirantes. Nem por isso, menos campeões. Dentro e fora de quadra, assim é a vida de três brasilienses que encontraram no esporte uma maneira de superar obstáculos e são esperanças de medalha para o Brasil nas Paralimpíadas Rio 2016, em setembro. Veja aqui o material multimídia especial.
A cinco meses do evento, a estimativa do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB) é que cerca de 300 esportistas integrem a delegação verde e amarela. Desse total, até 19 podem representar Brasília – o número final depende das convocações em esportes coletivos e indicações das federações nas modalidades individuais.
É o caso de José Higino Oliveira, 31 anos, atleta de rugby em cadeira de rodas. Pela primeira vez, a modalidade terá a participação brasileira em Paralimpíadas. Após se envolver em um acidente em 2002 e usar cadeira de rodas desde então, a prática esportiva passou a ser rotina diária. “Depois do acidente, comecei a fazer hidroterapia, natação, ecoterapia e cheguei a competir no hipismo. Em 2010, internei no Hospital Sarah do Lago Norte e lá conheci o rugby através do centro de reabilitação voltado para o esporte que eles têm lá”, contou.


Adaptação: o esporte é jogado em uma quadra de basquete com bola de vôlei

A adaptação ao novo esporte foi mais uma barreira que o atleta encontrou. Zé Higino, como gosta de ser chamado, conta que “sentiu uma grande diferença porque os outros esportes que fazia não tinham cadeira de rodas”. No hipismo, o companheiro de treinamento era o cavalo. Já no rugby, o apetrecho se tornou necessário, uma vez que o uso é obrigatório. Outro aspecto que se alterou foi a convivência com outros atletas. “No hipismo, eu era o único paraplégico. Eu competia com pessoas com Down, autismo, paralisia cerebral e outras deficiências. Quando fui para o rugby, passei a conviver com pessoas que eram mais parecidas comigo. A troca de experiência foi bem melhor”, disse.
Concursado do GDF, o assistente social treina a 40 quilômetros de casa, no Centro Olímpico do Gama. No início, achou que a distância seria um impedimento, mas aos poucos foi  se adequando à rotina. “Eu comecei a praticar o rugby em alto rendimento só depois que passei no concurso público. Passei a trabalhar em horário especial de atleta e aí consegui conciliar”, explicou.  A única frustração, segundo ele, é nunca ter conseguido ganhar dinheiro com o esporte.

Incentivos

R$ 510 é o valor mensal que Zé Higino recebe do programa Bolsa Atleta do GDF. O benefício, porém, é insuficiente para arcar com os custos mensais. “Não paga nem a gasolina até o local de treino. Vou treinar de três a quatro vezes por semana. Isso sem contar os materiais, que são muito caros. Uma cadeira para competir a nível internacional, por exemplo, custa em media R$ 20 mil e requer consertos periódicos”, disse.
O BSB Quad Rugby, clube em que joga, foi criado pelos próprios atletas em 2011. Sem dirigentes ou o apoio de uma federação local, a equipe sofre com a falta de investimentos e tem que correr atrás de patrocínios específicos em época de competição. “Existe apenas a Associação Brasileira de Rugby em Cadeira de Rodas (ABRC). É ela que organiza as competições no Brasil. A nível estadual, não existe nada. Para ter ideia, só existem doze times no Brasil, já que muitos começam e depois são extintos por falta de dinheiro”, lamentou.


Os Lobos Vermelhos não têm patrocínio e contam com o apoio dos próprios atletas / Divulgação CETEFE 
Em preparação para as Paralimpíadas, a seleção brasileira já se reuniu em três ocasiões nesse ano para fazer treinos específicos e estudar os adversários. Zé Higino foi convocado para todos os encontros. No final de fevereiro, a delegação brasileira participou do evento-teste no Rio de Janeiro. No quadrangular, que contou com Austrália, Canadá e IGV, o Brasil terminou em último lugar. Mas o resultado não foi motivo para desanimar o atleta brasiliense. “Nós perdemos todos os jogos, o que era de se esperar. Enfrentamos o primeiro, o quarto e o quinto do ranking mundial. Era mais para gente sentir a Arena, como vão ser os jogos e melhorar em cima disso”, salientou.

Expectativa

No Parapan-Americano de 2015, no Canadá, o Brasil terminou na quarta colocação de oito equipes. A meta era chegar entre os três primeiros, mas o jogo final trouxe uma surpresa. “Fizemos bons jogos. Só que a gente tinha como meta chegar em terceiro e terminamos em quarto. Era um jogo em que não era esperado a gente perder. Mas também serviu de aprendizado, temos que jogar bem contra todo mundo, independente do adversário”, avaliou.

Para os Jogos Paralímpicos, o objetivo é jogar bem contra todos os adversários e vencer pelo menos uma partida. Das oito seleções que se classificaram, o Brasil é o pior ranqueado, em décimo-nono lugar. “Vamos para o Rio com o pensamento de ganhar. A torcida será mais um incentivo, queremos mostrar nosso valor e trazer alegrias ao povo brasileiro”, prometeu. 
O rugby para cadeira de rodas foi criado em 1970, mas é praticado no Brasil há 10 anos. De acordo com a International Wheelchair Rugby Federation (IWRF), entidade internacional que regulamenta o esporte, é obrigatório o uso de cadeira de rodas específica e faixas que prendam pés, pernas, peito, quadril e tronco. A medida é adotada para permitir que os atletas estejam em condições de igualdade e tenham mais segurança nos movimentos. Além disso, luvas de borracha e uma cola a base de resinas naturais, semelhante à utilizada no handebol, são autorizadas para propiciar mais aderência nas mãos e aumentar a eficiência nos passes.
O objetivo do jogo é ultrapassar com a posse da bola entre cones dispostos na linha de fundo do adversário. Cada jogador recebe uma pontuação de acordo com o grau de deficiência, variando de 0.5 (maior deficiência) a 3.5 pontos (menor deficiência). As equipes são formadas por quatro atletas e não devem ter a soma dos jogadores maior do que oito pontos. Utiliza-se quadra de tamanho oficial de basquete e bola semelhante à de vôlei. O jogo é dividido em quatro tempos de oito minutos.

Gerações
Quem também espera o apoio maciço da torcida para conseguir um bom resultado nas Paralimpíadas são os atletas candangos da seleção brasileira de tênis de mesa, Aloísio Alves e Bruno Peres. Os mesa-tenistas treinam no Setor de Clubes Sul, todos os dias, das 8h30 às 11h. O centro de treinamento, que fica nos fundos de uma academia de caratê, recebe seis atletas da equipe permanente de Brasília.
Aloísio Alves é atleta paralímpico há mais de uma década. Aos 42 anos, explica que o tênis de mesa tem crescido como esporte. Em 2003, aos 29, sofreu um acidente praticando rapel e fraturou uma vértebra do pescoço, que o deixou paralítico. No ano seguinte, quando iniciou um trabalho de reabilitação no Centro de Treinamento de Educação Física Especial (CETEFE), conheceu a modalidade.


Aloísio coleciona títulos expressivos; próximo desafio é a Rio 2016 / Divulgação CBTM
No princípio, o esporte significava apenas uma reabilitação e não era a primeira opção na vida de Aloísio. Com o tempo, ele notou que a prática trazia desenvoltura e aprimorava a condição física. O que era simplesmente uma tarefa forçada transformou-se em uma rotina de treinos que o levou a torneios. A evolução foi tanta que logo se integrou à seleção brasileira por se destacar nas disputas. Aliando o prazer de jogar aos exercícios, o atleta conseguiu uma vitória importante: a recuperação física e psicológica. “O esporte foi importante na minha regeneração, me abriu muitas portas, principalmente sair de casa e ter uma vida normal. Não me imagino fazendo outra coisa”, reforçou.

Campeão Parapan-Americano na classe 1, categoria exclusiva para cadeirantes, o atleta se dedica aos treinamentos de tal forma que abdica até de momentos com a família. Aloísio relata que a esposa e os filhos quase sempre saem para passear, ir ao cinema ou jantar, mas que dificilmente ele os acompanha. Quando todos saem juntos, as crianças ficam eufóricas e aproveitam cada momento ao lado do pai.
O mesa-tenista recebe benefício do programa Bolsa Atleta, oferecido pelo Ministério do Esporte. Prefere não revelar a quantia, mas garante que “dá para viver e treinar bem”. Em busca de uma medalha olímpica, espera retribuir o investimento federal e representar o Brasil com “muita garra e vontade”.
A cada bate-rebate das bolinhas, histórias de superação se cruzam nas duas pontas da mesa. É o caso de Bruno Peres, 25 anos. Mesmo jovem, o atleta que jogava tênis de quadra antes de ficar tetraplégico em um acidente de carro, conquistou títulos expressivos. No ano passado, no Canadá, foi medalhista de bronze no Parapan-Americano, na classe 1. Mas é de outro triunfo que ele se orgulha mais. Ao lado de Aloísio, amigo e companheiro de seleção, obteve o terceiro lugar no Campeonato Mundial, o que lhe rendeu a inédita medalha de bronze – a primeira em equipes da história brasileira no esporte.


Bruno vibra com Aloísio após medalha no Mundial da China / Acervo Pessoal

Apesar de ainda não estar garantido no Rio 2016, Bruno segue de cabeça erguida e continua a rotina intensa de treinos. Atualmente, ele é o 18º do ranking mundial e acredita na vaga olímpica por estar bem classificado.  “No Parapan, só classifica direto quem é campeão. E eu ganhei o bronze. Mas posso ir pelo ranking mundial”, disse esperançoso.
O objetivo dos atletas cadeirantes é ousado: buscar duas medalhas no Rio de Janeiro. “A seleção é permanente e treina todo dia. Temos uma hegemonia nas Américas, mas nas Paralimpíadas estamos sendo otimistas e lutamos por duas medalhas. Não sabemos a cor delas, mas ganhar duas medalhas seria excelente”, afirma José Ricardo Rizzone, técnico da Seleção Brasileira.
O Brasil conta com uma medalha de prata na história do tênis de mesa nos Jogos Paralímpicos, conquistada em Pequim, há oito anos. Com os investimentos do Ministério do Esporte, através de convênio firmado em 2012 com a Confederação Brasileira de Tênis de Mesa (CBTM), as condições de treinamento dos atletas melhoraram, assim como os resultados. “Hoje a seleção tem material de primeira, os atletas têm as borrachas (para as raquetes), que antes eles tinham que comprar, têm as melhores mesas do mundo, piso de borracha importado, bolas e robô lançador de bolas. Todo um aparato técnico. Eles só têm de pensar em treinar”, explicou Rizzone.
O convênio entre o Ministério do Esporte e a CBTM prevê R$ 2,37 milhões para pagamento de salários aos atletas, técnicos e de equipes multidisciplinares (fisioterapeutas, médicos, nutricionistas e psicólogos), compra de material e equipamentos. Para o custeio de viagens para competições o valor é de R$ 1,49 milhão. Além disso, os seis mesa-tenistas da equipe permanente de Brasília recebem Bolsa-Atleta ou Bolsa-Pódio do governo federal.
No tênis de mesa paralímpico, os atletas são divididos em 11 categorias distintas: das classes 1 a 5 são cadeirantes, das classes 6 a 10 são andantes e na classe 11 são andantes com deficiência intelectual. Quanto maior o número da classe, menor o comprometimento físico-motor do atleta. A classificação é realizada a partir da mensuração do alcance de movimentos de cada um, da força muscular, de restrições locomotoras, do equilíbrio na cadeira de rodas e da habilidade de segurar a raquete. As demais regras são idênticas ao tênis de mesa tradicional.






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Por Tácido Pries