Quando a paixão vira obsessão e transforma-se em violência
Por Paola Rodrigues
Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), a cada 15 segundos uma mulher é agredida ou espancada no Brasil e 29% das brasileiras relatam que já foram vítimas de violência física ou sexual pelo menos uma vez na vida.
Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), a cada 15 segundos uma mulher é agredida ou espancada no Brasil e 29% das brasileiras relatam que já foram vítimas de violência física ou sexual pelo menos uma vez na vida.
M.S., que não quer revelar a identidade, é recepcionista, mãe de quatro meninas, está em seu segundo casamento e já foi agredida pelo primeiro marido, que hoje é falecido. Ela conta que sofreu maus tratos durante anos. “Eu casei bem novinha e desde o começo do casamento ele era agressivo com palavras, mas a agressão física começou mesmo depois que tivemos a nossa segunda filha. Ele era muito grosso e eu tinha muito medo dele, porque ele batia por qualquer motivo, por qualquer coisa que não estivesse do agrado dele.”
Segundo M.S. por mais que ele a agredisse, ela não tinha alternativa. “Eu não tinha para onde ir, ainda mais com duas filhas pequenas, meus pais já eram falecidos naquela época e então eu era sozinha, só tinha ele. Muitas vezes pensei em me matar ou matar ele, mas eu não tive coragem de me matar por causa das minhas filhas e não tive coragem de matar ele porque eu amava, apesar de tudo”, revela a recepcionista.
Depois de ficar viúva, M.S. passou muito tempo sozinha, com medo de se envolver com outro homem. “Depois que meu ex-marido teve o infarto e faleceu, eu não quis mais saber de homem, tinha medo de acontecer tudo de novo, eu sofri muito, apanhei demais e minhas filhas presenciavam tudo, tanto que elas morriam de medo do pai, mas graças a Deus, ele nunca encostou um dedo para bater nas meninas ou fazer qualquer outra coisa contra elas”.
Hoje ela está casada e vive bem com o atual marido e as duas filhas.
É possível identificar os crimes passionais antes que aconteçam
Crimes passionais são cometidos por razões emotivas, quando uma pessoa se sente dona de outra. É um tema antigo e que foi tratado até em uma obra de um importante autor, Dom Casmurro, de Machado de Assis. Otelo, também personagem da literatura clássica, ao retirar a vida de sua esposa Desdêmona, por acreditar que esta era infiel, transformou-se em um referencial de homicida passional. Essas histórias da literatura seguem motivando cenas fictícias e reais até hoje. Juridicamente, o crime passional é um crime como outro qualquer.
É possível observar indícios de ciúme doentio, antes mesmo que ele se torne um crime brutal, podendo evitá-lo. Foi o que aconteceu com a estudante de medicina, Larissa Barbosa, de vinte anos. “Meu relacionamento já vinha se arrastando por muito tempo e eu não queria mais. Tentei de várias formas colocar um ponto final nisso, mas sempre acabava cedendo por um jogo psicológico feito por ele e também por ter medo da reação do meu ex-namorado”.
Os familiares tentaram alertar Larissa para o ciúme exagerado do namorado. Mas quando a estudante começou a se incomodar com os excessos já era tarde demais. “Foi então que resolvi dar um basta nesse relacionamento, mas não foi fácil, pois ele me seguia todos os dias, seguia minhas amigas, chegou até a grampear o meu celular. Graças a Deus que não passou disso e com o tempo a obsessão dele diminuiu e acabou.”
Não necessariamente um crime passional resulta na morte da vítima. O crime pode ser passional, mas não passar de uma lesão corporal de natureza leve, ou mesmo um crime contra a honra, injúria por exemplo. O que faz um crime passional é a sua vinculação com uma violenta emoção/paixão”, observa Ricardo Morato, advogado criminalista.
Mesmo sem expor o problema, muitas vítimas apresentam sinais de que sofrem agressão, como medo do marido, falta de amizades, submissão ou proibição de trabalhar fora de casa.
A maioria dos crimes passionais é cometida por homens
De acordo com Ricardo Morato, o homicida passional tem um perfil fácil de identificar. “Os homicidas passionais são egocêntricos, cruéis, narcisistas. Duas características são as mais comuns: dependência do companheiro e possessividade. Além disso, raramente se arrependem do crime que cometeram, alegando sempre ter sido feito por amor ou por questão de honra”, revela o advogado.
“Sempre importante lembrar que nas hipóteses descritas na Lei Maria da Penha, os crimes são inafiançáveis e não podem ser processados pelos Juizados Especiais Criminais, isto é, não são passíveis de transação penal (uma espécie de acordo)”, explica o advogado.
Os homens são os que mais comentem crimes passionais: “Em regra o que se observa é que os homens, muitas vezes valendo-se das próprias mãos cometem em maior quantidade que as mulheres os crimes passionais”, explica o advogado.
O advogado revela que o crime passional que mais chamou sua atenção até hoje foi de um namorado que acertou um botijão de gás na cabeça da, então namorada, quando descobriu que seria deixado. “Esse caso me intrigou de uma forma que não sei explicar, sei que existem casos mais cruéis, mais doentios. Mas o fato dele acertar um botijão na cabeça de sua amada me deixou bastante chocado”, conta
Diferença entre amor e paixão
A psicologia diferencia paixão de amor. A psicóloga clínica Rafaela Ramos cita um exemplo: “Imagine um casal que iniciou um namoro recentemente. Na paixão, existe a privação de outros estímulos, como por exemplo, parar de sair com os amigos para curtir o namorado”. Já nos relacionamentos que envolvem amor, os envolvidos não passam por esse tipo de privação.
Por acreditarem que podem perder o parceiro, que consideram como objeto de posse, o controle emocional é perdido. “Às vezes, basta apenas uma conversa com outras pessoas para existir a discussão. A partir do momento em que o que eles sentem não tem mais atenção do parceiro, vão tentar defender o autoritarismo de uma forma intensa, muitas vezes ocasionando o comportamento impulsivo de ataque”, afirma a psicóloga.
Quando a pessoa apresenta uma dependência excessiva no parceiro, isso demonstra insegurança. “Se o indivíduo acredita que não é completamente correspondido, ele pode cometer dois atos: ou ataca a si mesmo ou ao parceiro. A idealização que ele ou ela tinha pelo amado pode se transformar em raiva e por isso ocorrem os ataques de fúria”, esclarece Rafaela.
Com um tratamento médico, como terapia, por exemplo, o paciente pode evitar esse comportamento agressivo. “Por se tratar de um comportamento de impulsividade, se previamente identificado, o paciente pode encontrar na terapia uma cura para o controle de suas emoções e atitudes. Ele aprende a lidar com essas emoções e pode evitar situações desastrosas”, comenta a psicóloga.