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Futebol feminino: Realidade desconhecida



Longe dos holofotes dos grandes estádios brasileiros, com arquibancadas lotadas, brilham estrelas quase desconhecidas do cenário do futebol nacional. A luta diária das mulheres que, assim como os homens, sonham em se tornar grandes nomes do esporte, passa desapercebida por boa parte dos fanáticos por futebol.

Aqui no Distrito Federal, essa é a realidade de inúmeras mulheres. Entre um emprego e outro, acham espaço para os treinos. Às vezes em até dois turnos. As condições a que são submetidas, no entanto, passam longe do que se acompanha diariamente na mídia esportiva. O esforço para se tornar jogadora profissional de futebol esbarra nas péssimas condições de trabalho e no preconceito social. O machismo, presente nas raízes da sociedade, é um dos fatores que impede que o futebol feminino se torne uma potência no Brasil.

Campeonato Brasileiro de Futebol Feminino. Foto: Ferdinando Ramos/ALLSPORTS


Estrutura

A dificuldade das jogadoras de futebol do Distrito Federal começa no mais básico dos requisitos necessários para uma partida oficial: estrutura. Sem o devido apoio dos clubes, a vontade de jogar supera os obstáculos. O esforço para conseguir ir aos jogos depende, quase que exclusivamente, das jogadoras. Os clubes apenas “emprestam” as camisas de jogo. Alguns times treinam em campos públicos, durante o dia, por falta de espaço adequado. Centro de treinamento para mulheres é praticamente inexistente. “Há negligência das diretorias. O futebol feminino tem que ser visto como um produto. Infelizmente, se não tem dinheiro, não tem atenção dos dirigentes. Hoje em dia, nós simplesmente vestimos a camisa e temos que correr atrás”, diz a lateral-esquerda do Gama, Dani Mendes, de 23 anos.

As oportunidades para as mulheres começarem no futebol, muitas vezes, só são dadas nas categorias adultas. Aqui no Distrito Federal, assim como em várias partes do Brasil, não existem categorias de base, ou seja, não existe formação para as jogadoras. Cenário totalmente diferente para os homens, onde a iniciação no futebol se dá ainda na infância. A falta de estrutura passa pelos cartolas. Sem a possibilidade de um grande retorno financeiro, as diretorias simplesmente não dão o suporte necessário para o futebol feminino. “Quantas Martas nós perdemos por essa falta de estrutura? O que mais tem é negligência dos diretores. As diretorias não têm essa preocupação com o desenvolvimento dessa modalidade. No âmbito geral, os dirigentes não se preocupam com isso”, ressalta Célio Lino, técnico e coordenador do futebol feminino do Gama.

“Os trabalhos da seleção têm que ser feitos nos clubes também. Tem que começar de baixo. Dificuldade nos campos, material, são vários os fatores que dificultam a modalidade a se desenvolver”, completa o treinador.

A falta de organização é outro fator que impede o crescimento da modalidade. O campeonato brasiliense de futebol feminino deste ano, que contou com apenas cinco times, começou sem tabela definida. Na segunda rodada da competição, uma partida que seria disputada em campo sintético precisou ser adiada por não pagamento da taxa de arbitragem por parte da Federação Brasiliense de Futebol.


Preconceito

Além da falta de estrutura e organização, um dos principais empecilhos para o desenvolvimento do futebol feminino é o preconceito. Muitas vezes é enfrentado dentro de casa, vindo da própria família. Mas o mais difícil é encarar a sociedade. O machismo do mercado de trabalho se estende no esporte, e o que para muitas mulheres é trabalho de verdade, aos olhos da sociedade não passa apenas de um hobby. 

A falta da imagem feminina fora das quatro linhas, como por exemplo de uma técnica ou dirigente, é apontada por várias jogadoras como fator determinante para o domínio do machismo no esporte. “É difícil encarar o machismo no futebol. Muitas vezes acontece dentro do próprio clube. Nem seus dirigentes acreditam em você. Nos tornamos as “mulheres macho” simplesmente por jogar futebol. Boa parte da sociedade não acredita que mulher pode jogar futebol, acham que é um esporte exclusivo para homens”, diz Antônia Lins, atualmente sem clube.

“Preconceito tem da sociedade, ainda há muitos questionamentos a respeito do futebol feminino no Brasil. Em relação ao machismo, dentro de campo isso diminuiu muito, mas ainda existe em todo canto. Muita gente subestima a mulher no futebol”, ressalta Dani Mendes.

“Um dos principais fatores que dificulta o crescimento é o preconceito. Nos EUA é outra história. Lá é normal a menina nascer e ganhar uma bola de futebol. Aqui não é assim. Enfrenta a família. Olham torto para menina porque ela joga futebol”, completa o técnico Célio Lino.

Na avaliação da socióloga especialista em igualdade de gênero, Marta Fernandes, o preconceito se faz presente em diferentes aspectos do futebol. “A visão de ‘mulher macho’ impede que muitas empresas invistam no futebol feminino. Os uniformes mais largos, a ‘necessidade’ de as mulheres serem bonitas, tudo isso é o machismo dissociado dentro do esporte. A imprensa tem papel nesse processo também. Às vezes se importam mais em mostrar a beleza das jogadoras do que o próprio futebol”, diz Marta.

Caminhos

Futebol de rua, com meninos. Foi dessa maneira que muitas jogadoras iniciaram a trajetória no esporte. Foi o caso, por exemplo, da capitã do time do Gama, Luciana Leite. Com 13 anos, ela começou a brincar com os meninos, jogando entre os carros, usando chinelos como as traves do gol. A partir daí, não parou mais. O primeiro campeonato oficial veio aos 19 anos, pela ASCOOP. “Cheguei a jogar pelo Brazlândia, pelo Bandeirante, mas sem jogar campeonatos oficiais. Fui para o CRESPOM no começo de 2010, saí porque engravidei. Voltei para o Santa Maria. Em 2012, fiz uma seletiva no Ceilândia, disputei Copa do Brasil. Desde 2012 até hoje, jogo pelo Gama. Ano passado joguei pelo Vitória, fui jogar o campeonato baiano, terminamos na terceira colocação”, diz Luciana.

Caminho parecido com o da lateral-esquerda do Gama, Dani Mendes. Nas ruas do P Sul, em Ceilândia, ocorreram os primeiros toques na bola. “Comecei a jogar muito nova. Percebi que era o que amava fazer e decidi seguir com isso para a minha vida. Estar no Gama é uma satisfação enorme”, ressalta Dani, que hoje em dia divide os treinos em dois turnos com a faculdade de Educação Física.

Em um terreno um pouco diferente, nos campos de terra de Taguatinga, começou a história de Fernanda Nunes no futebol. Hoje com 28 anos, com passagens por Suécia e Estados Unidos e atualmente sem clube, ela conta do tempo dividido entre escola e esporte. “No começo foi muito duro. Eu só queria saber de jogar bola. Minha família falava para estudar, mas o que eu amo é jogar futebol. Fui atrás, consegui realizar meu sonho”.

“A história fora do Brasil é outra. Tem estrutura, apoio, salário digno. Voltar para cá foi complicado, sabia que ia enfrentar dificuldade. O que não pode é desistir do sonho”, completa Fernanda, que trabalha em um restaurante de segunda a sábado, mas mesmo assim não deixa de treinar, mesmo que não seja todo dia.

A hoje já aposentada Daiane Pires, que rodou por clubes de Minas Gerais e dos Estados Unidos, lembra do início difícil no começo dos anos 90. “Ao mesmo tempo que era estruturalmente mais difícil, era mais satisfatório. Tinha mais público. É uma delícia entrar em campo e olhar pessoas na arquibancada, ainda que sejam poucas. Minha história sempre foi dura, pegava material emprestado com meus irmãos, com os pés muito maiores do que os meus”, diz Daiane, que atualmente tenta seguir a vida de treinadora.

Time de futebol feminino do Gama. Foto: Reprodução



Exposição virtual

A exposição “Visibilidade para o futebol feminino”, disponível no site do Museu do Futebol, oferece um vasto acervo de imagens e documentos sobre a história das mulheres no esporte mais popular do Brasil. Por mais de quatro décadas, as mulheres foram proibidas de jogar bola, com a justificativa de que alguns esportes eram incompatíveis com a “natureza feminina”. A exposição torna conhecida a luta das mulheres para conseguir jogar futebol.

Clique aqui para conferir a exposição virtual.

Documentário

O documentário “Futebolistas”, produzido por Thaís Travençoli e Patrícia Castro, ilustra a luta feminina para conquistar espaço dentro do futebol. As dificuldades diárias para conseguir treinar, conciliação com outros empregos, falta de visibilidade e preconceito são mostradas a partir de relatos de jogadoras do Colombo Futebol Clube, equipe do Paraná.






Por Thiago Marcolini