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Crianças também sentem

 Se uma criança apresenta sintomas como irritação, mau rendimento escolar, comportamento agressivo consigo e com as pessoas ao redor, insônia ou hipersônia, desânimo, isolamento, falas auto-depreciativas, reclamação de dores como dor de barriga, dor de cabeça e até mesmo pensamentos de suicídio, cuidado. Estes são sintomas da depressão infantil. Se os mesmos sinais persistirem, é importante que procure um profissional da pediatria ou psicologia. A psicóloga Flávia Lacerda alerta que os transtornos depressivos em crianças são multicausais como fatores hereditários, neuroquímicos e ambientais. Ela explica que pais, professores e demais cuidadores "são peças-chave na identificação precoce da depressão infantil. Conhecer mais sobre o transtorno aumenta as chances de prevenção e tratamento adequado", justifica. A psicóloga ainda recomenda atenção para não confundir quadro de tristeza com um quadro depressivo. A diferença entre os dois seria a persistência e a intensidade dos sintomas.

Entenda alguns causadores da depressão infantil, segundo as psicólogas Priscila Chiari e Flávia Lacerda:


  • Bullying
  • Problemas escolares
  • Perdas
  • Violência física, psicológica e sexual
  • Ansiedade
  • Relacionamento familiar conturbado
  • Separação dos pais
  • Nascimento de irmãos(as)
  • Mudança de cidade
  • Desamparo emocional

“Eu ligava para ele e ele desligava na minha cara ou falava ‘oi’ e ‘tchau’. Eu comecei a ter rancor e minha mãe falava: tira esse rancor, ele não fez nada para você e sim para mim. Eu falava para minha mãe que era nossa família, não só ela, mas todos nós. Isso prejudicou muito nossa conduta na escola”, relata Sabrina, que se sentia triste por não possuir o vínculo que desejava ter com o pai. Isso  a desmotivou em ambientes sociais e inclusive em casa.
FIQUE DE OLHO 
Se seu filho de repente parou de brincar sem nenhuma explicação, pode ser um alerta. De acordo com a psicóloga e mestre em ciências do comportamento pela Universidade de Brasília, Flávia Lacerda, “Essas alterações acarretam em um prejuízo funcional das atividades rotineiras”.

ANÁLISE DE COMPORTAMENTO

Pediatras tendem a ser os primeiros profissionais procurados quando crianças apresentam comportamentos diferentes. A pediatra Juliana Sobral diz que é fundamental o profissional estar atento às observações dos pais, cuidadores e professores do paciente para melhor identificar os sinais de depressão. Pessoas que convivem mais tempo com uma criança vítima da depressão são as que mais auxiliam no diagnóstico, segundo Juliana. "As crianças se comunicam muitas vezes pelo choro, expressão facial e maneiras de brincar. Às vezes a fala não é utilizada ou é ineficiente na expressão dos sentimentos. Por isso, temos que observar o comportamento da criança como um todo", complementa.

Problemas para dormir ou sonolência excessiva, como citado anteriormente, são um dos sintomas principais na hora de analisar a doença. Mas a pediatra também alerta para sintomas físiológicos, como dificuldade de evacuar e a falta de higiene pessoal. A psicóloga Priscila Chiari explica que os sintomas são identificados em torno de duas semanas, profissionais trabalham com as crianças para que elas consigam expressar o que estão sentindo "O diagnóstico se torna difícil, uma vez que a criança tende a ter dificuldade de falar sobre o que ela realmente sente", cita. 

MEDICAMENTO É SOLUÇÃO? 

"Sentar para brincar, compartilhar experiências, ler livros , montar brinquedos, ensinar a preparar os alimentos..." são recomendações da pediatra.

Remédios são indicados apenas quando diagnosticados por especialistas. Juliana justifica que caso consumidos isoladamente em automedicação, os resultados não são efetivos. Uma boa alternativa recomendada pela pediatra é que os responsáveis diminuam o tempo que a criança interage com aparelhos eletrônicos como celular, computador, videogame e televisão, para dar mais prioridade ao lazer, realizando atividades que possibilitem mais interação. Para Juliana, o mais importante é ter tempo para a criança e fazer com que ela se sinta segura, principalmente no lar.

Com menos de um ano de idade, os pais de Sabrina se separaram devido a uma traição. Desde então, ela e o irmão Carlos sofreram com cenas que vivenciaram, ainda que distantes do pai paterno. Eles presenciaram até duas tentativas de homicídio contra a mãe, quando moravam na mesma cidade que o pai. As sequelas e traumas da relação conturbada foram inevitáveis, e a depressão foi uma das consequências. A menina, hoje com 10 anos, explica que não entendia o porquê da situação de abandono e não compreendia, mesmo que não tivesse convivido com o pai como o irmão mais velho. Logo, por mais que a mãe Adriana* tentasse esconder, a consequência foi uma depressão. Mesmo com tratamentos psicológicos, não foi fácil superar, até então pelo fato de que Adriana estava sozinha, antes de conhecer o marido, que atualmente é padastro de Carlos e Sabrina.
A tirinha relata uma situação que Sabrina passou no colégio onde estuda.“Quando as minhas amiguinhas na escola falavam: meu pai de sangue me dá tudo, eu chorava, porque eu não tinha o meu pai presente”, diz. A ausência e atenção do pai dela foram motivos que desencadearam a depressão.
                A confusão na mente de Sabrina fazia com que ela chamasse tios, amigos e até desconhecidos de pai.

Carlos, atualmente com 14 anos, diz que o motivo da depressão na infância seria a saudade e ausência paterna. O fato de ver como a mãe, que foi traída e abandonada, o machucava. O impacto foi traumático. “Eu tinha vontade de morrer, pular da janela, vomitava quando pensava em momentos que nós estávamos juntos”, desabafa. “Eu não queria comer porque a gente sempre fazia refeição na mesa. Eu lembrava que ele não queria participar de nada dos eventos na família e eu tinha vergonha”, confirma o garoto.     


Antes da separação dos pais, Carlos era apegado com o pai. Com as crises, ele relatou uma situação de quando tinha em torno de seis anos de idade, quando o pai o levou para cotar o cabelo, disse que teria ido buscar uma carteira e não voltou. Horas depois, a mãe o encontrou sozinho, chorando muito. Segundo eles, o pai alegava que a mãe estaria por perto e não tinha problema deixar o menino sozinho.

NO QUE A ESCOLA PODE AJUDAR?

"Por ter uma relação diária e direta com o aluno, o professor é capaz de notar de imediato qualquer alteração no comportamento da criança ou adolescente. As mudanças não surgem necessariamente na escola, mas indiscutivelmente refletem no comportamento da criança dentro desse ambiente de forma mais acirrada, uma vez que é lá onde a criança passa a maior parte do tempo", relata a professora e coordenadora Marise Braga, que atua desde 1994 na rede pública de ensino do Distrito Federal. Ela acredita que, atualmente, professores buscam se preparar mais para lidar com alunos diagnosticados com depressão. Porém, assume que é um papel desafiador, uma vez que o profissional se depara com a " falta de interesse pelos estudos até um comportamento mais agressivo, que dificulta a relação com professores e colegas trazendo prejuízo", diz.

 A professora alega que durante a carreira, este é o momento em que mais presencia alunos com sintomas depressivos. Ela acredita que o risco é grande pelo fato de que a doença pode levar crianças e adolescentes ao extremo-suicídio. " É obrigação nossa minimizar todas as possibilidades de evolução dessa doença. Amparando e cuidando dos nossos alunos com alternativas que proporcionem maior qualidade de vida a fim de trazê-los de volta o mais rápido possível à saúde e ao bem-estar", explica a coordenadora. Ela concorda que o diagnóstico não pode ser dado por professores, e sim, apenas por especialistas na área de saúde. Mas explica que a escola faz sua parte com parceria com serviços de Orientação Educacional, Equipe de apoio à aprendizagem liderada por psicopedagogos e psicólogos.
ATENDIMENTO PÚBLICO

 A Secretaria de Saúde do Distrito Federal (SES-DF), fornece auxílio através do Centro de Atendimento ao Adolescente e pelo Centro de Orientação Médico Psicopedagógica (COMPP). As unidades atendem pacientes realizando acolhimento, Atendimentos de Psicologia, Psiquiatria, Neurologia, Neuropediatria, Fonoaudiologia, Assistência Social, Terapia Ocupacional, Psicopedagogia, Pedagogia e Nutrição. Atendimento em Projetos Interdisciplinares: TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade),GATA (Grupo de Atendimento aos Transtornos Alimentares).
 A psicóloga Flávia concorda que a divulgação de informações sobre a depressão infantil é importante para identificar e diagnosticar a doença. “A implementação de políticas públicas integradas de proteção à infância e adolescência, aumento das redes de apoio (escola, família, grupos sociais) são algumas estratégias preventivas efetivas”, conclui. A psicóloga lembra que Friends for Life é um programa específico de treino de habilidades socioemocionais reconhecido pela OMS na prevenção da depressão e ansiedade em crianças e adolescentes. O projeto busca ajudar essas crianças a lidarem com dificuldades, conflitos, pressões e demais dificuldades conciliando isso com o desenvolvimento de estratégias de enfrentamento. É um aprendizado que permite que eles consigam maior controle emocional.

Saiba mais:

                    As crianças desaprenderam a lidar com emoções, diz sociólogo
Abandono parental é uma das principais causas da depressão infantil para o sociólogo e professor Marcus David Cavalcante. Para ele, as primeiras relações e mais duradouras são desenvolvidas no “seio” da família. Marcus entende que a interação humana está se tornando mecanizada e distancia pais de filhos. “Nossas crianças estão sendo formadas desaprendendo a trabalhar com suas emoções, cada vez mais mecanizados e distantes, elas não percebem, nem tão pouco e tristemente também suas famílias, que o distanciamento da interação humana é um passo longo e mortal em direção a seres humanos que cada vez menos sabem se relacionar com a vida do ponto de vista humano”, afirma.
O sociólogo acredita que a depressão infantil pode diminuir, de acordo com a segurança que as crianças sentirem nos responsáveis. Ele afirma que há uma necessidade de reestruturação a formação cultural do brasileiro, uma vez que existe um dês-serviço social que afasta familaires dentro dos lares, como o exagero nas  relações virtuais. “Cada vez menos interagimos com nossas famílias, e crianças e pais, irmãos, avós, tios e primos, todos nós estamos sendo abandonados por nossas famílias, um abandono silencioso que faz da parede de nossos quartos e salas uma linha limítrofe entre nós e a felicidade que poderíamos desfrutar enquanto famílias”, diz.
 Como educador, David alega que para o aluno diagnosticado com depressão, deve receber acompanhamento da escola, onde professores, coordenadores e departamento de psicopedagogia devem trabalhar juntos para adequar atividades ao aluno e direcionar o mesmo para superar o problema. “O professor é a ferramenta mais eficaz desse processo, pois ele pode perceber as nuances de cada aluno, e de forma específica para cada caso, ele percebe e põe em prática a melhor estratégia para que o indivíduo se restabeleça emocionalmente”, complementa. “O nosso trabalho então se resume em educar melhor o Brasil, não somente para o mundo capitalista desse século, mas para a realidade desumana que vivemos dia após dia”, desabafa Marcus David.
Por Amanda Escorsin