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De olho nos motéis

               
Presidente da Associação Brasileira de Motéis explica que a higienização de uma suíte precisa ser encarada como uma ciência
      Quarto de luxo do motel Paradise recém utilizado
Sexo. As opções de quartos temáticos estimulam a imaginação desde a entrada. Um balcão “fantasma”, sem contato visual e o mínimo diálogo possível fazem tudo parecer um mistério. Por trás de todo contexto erótico estão corredores com cheiro de hospital, funcionários rápidos na limpeza e no atendimento.
Cada empregado possui um carrinho com o kit para higienizar as suítes. “Tenho em média de 15 minutos para fazer a limpeza de todo quarto. Começo a minha parte pelos banheiros tirando o lixo e depois passo cloro principalmente no vaso sanitário”, explica Anita Brito, 39, funcionária do motel há seis anos. Ela é uma das noventa da rede e considera a profissão essencial. 

Em motéis cinco estrelas, os gastos com o serviço chegam a R$ 100 mil por mês. “A limpeza é a área que exige mais cuidado e dinheiro”, explica Ana Délia, 42, gerente do Park Way, em Brasília. As cinquenta suítes contam com faxina diária de duas horas, além de higienização de 15 minutos entre um cliente e outro.
O motel ministra cursos de três em três meses para atualizar os funcionários sobre os cuidados com limpeza. Renata Piza, formada em química e consultora da empresa, é responsável pelos cuidados com os produtos químicos. Ela destaca que, dentre os usados, estão o detergente neutro e alcalino, desinfetante, desincrustante, solução clorada, limpa-vidros, sanitizante e álcool a 70 graus GL. “Nosso procedimento de higienização é parecido com o que é utilizado em hospitais, e todos os funcionários devem vestir luvas e botas por motivo de segurança.”, pontua.
Experiência
A publicitária Marina*, 26, gosta de frequentar motéis para apimentar o relacionamento, mas confessa que passou por experiências constrangedoras. “Já encontrei barata no quarto e chiclete mascado no cinzeiro. Isso me deixou apreensiva quanto à qualidade da limpeza do ambiente”, explica. Marina contraiu candidíase, uma espécie de fungo nas partes genitais, e acha que pode ter sido contaminada depois de uma aventura em um dos motéis da cidade. “Eu não confio 100% na limpeza de nenhum. Por conta de experiências negativas, hoje frequento bem menos”, desabafa.





Arte: Pauliann Barbosa

Há 31 anos o gerente Francisco Novaes, 57, se dedica a cuidar de dois dos motéis pioneiros em Brasília: Paradise e Vegas, no Núcleo Bandeirante. Segundo ele, os gastos com a limpeza nos negócios giram em torno de R$ 5 mil por mês, e os motéis juntos contam com 67 quartos, 46 funcionários e suítes que variam de R$ 50 a R$ 200. “Aqui os mais antigos treinam os mais novos, pois a limpeza deve ser criteriosa”, reforça. Os produtos utilizados incluem álcool, detergente e água sanitária. Lençóis e toalhas são lavados no próprio local.


                                 
Lençóis sujos na lavanderia do motel Paradise

Saúde
Quando o clima esquenta, poucos pensam nos riscos que uma suíte pode gerar à saúde. De acordo com especialistas, alguns micro-organismos sobrevivem em superfícies por um longo tempo. O gonococo, causador da gonorreia, permanece ativo de um a três dias e o HPV até sete dias. Segundo a ginecologista Andreia Araújo, a contaminação em quartos de motel é um risco para a saúde, não só dos usuários, mas também dos funcionários. “O ideal é escolher lugares em que os materiais são descartáveis”, pondera.
O perigo das suítes mal higienizadas não está somente na transmissão de doenças relacionadas ao sexo. O infectologista e membro titular da Sociedade Brasileira de Infectologia, Marcelo Bravin, fala sobre a importância de motéis utilizarem métodos de esterilização com estufas para matar fungos, bactérias e protozoários. “Doenças micóticas, doenças fúngicas e dermatites podem ser transmitidas se não há esterilização apropriada de sandálias, por exemplo”, explica.

O médico conta que há casos de contaminação por piolho. “O Phthirus pubis, mais conhecido como 'chato', pode ser contraído sem grandes dificuldades, pois fica nas fendas de algodão do lençol e até entre as cerâmicas”, diz. Bravin explica também que doenças de pele, como a sarna, podem ser transmitidas em roupas de cama e banho.

Fiscalização
Os Núcleos de Inspeção Sanitária das regionais de saúde fazem inspeções de rotina. Além disso, a Secretaria de Saúde informou que, anualmente, ocorre uma ação especial na semana do Dia dos Namorados. Do ano passado para cá, não houve penalidade nem interdição por infrações relacionadas à higiene.
De acordo com o Núcleo de Inspeção de Saúde do Núcleo Bandeirante, a desinfecção dos quartos deve ser feita com produtos devidamente registrados e rotulados pela Anvisa. Além de fiscalizar os estabelecimentos, o órgão distribui cartilhas para auxiliar os gerentes a manterem o padrão exigido.
João Carlos Martins, chefe do Núcleo de Inspeção de Saúde do Núcleo Bandeirante e coordenador da fiscalização em motéis, trabalha há 31 anos na área e conta que a ação nos locais acontece, em média, três vezes ao ano. Também há situações de denúncias. “Nos últimos 10 anos houve cerca de três casos de interdição total de motéis do Núcleo Bandeirante. O poder de polícia administrativa é proteger a sociedade, já que eu também sou parte dela”, comenta. Ele diz que quando há um problema generalizado no estabelecimento, há intervenção total, mas quando é uma situação localizada, a intervenção é parcial. “A partir daí é gerado um processo administrativo que pode acarretar em multa”, afirma.




A Associação Brasileira de Motéis (ABMOTÉIS) criou uma cartilha com um programa operacional padrão para limpeza dos ambientes. Além disso, promove workshops para treinamento dos funcionários. De acordo com Eusébio Ribeirinha, presidente da Associação, a limpeza de uma suíte precisa ser encarada como uma ciência “e não como uma simples atividade desenvolvida por uma pessoa qualquer.” Ele relata que os cuidados com a higienização se refletem, atualmente, na decoração e na parte externa dos estabelecimentos, que estão adotando um estilo mais 'clean', sem letreiros de neon. “Seja qual for o tamanho do motel, para que este trabalho tenha qualidade, o treinamento é fundamental”, alerta.

Eusébio garante que se hospedar em motéis regulamentados é seguro, pois todos seguem as exigências previstas pela fiscalização. “Quando um estabelecimento é notificado por limpeza fora das normas estabelecidas pela vigilância sanitária local, não há prejuízos diretos para a Associação, mas é uma situação negativa para o setor moteleiro como um todo”, completa. Nesse caso, o estabelecimento deve arcar com as punições e multas dos órgãos de fiscalização competentes.


Justiça

O advogado trabalhista, Claudio Sampaio, pontua que funcionários de motel têm direito a adicional de insalubridade - benefício concedido a trabalhadores que são expostos a agentes nocivos à saúde. “Há uma divergência jurisprudencial se esta insalubridade deve ser em grau médio (dando direito a um adicional de 20% sobre o salário mínimo vigente), ou de grau máximo, correspondente a 40% do salário mínimo”, comenta. Na avaliação do advogado, o motel deve, preventivamente, munir os funcionários dos devidos Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) e, caso ocorra um acidente de trabalho, expedir uma Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) à Previdência Social.


* O nome usado é fictício para preservar a identidade da entrevistada.

Por Mariana Areias