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Sinais de Educação

 1ª escola bilíngue pública inaugurada no país está em Taguatinga. 



O silêncio. Em meio à correria que as grandes cidades impõem – e Brasília está incluída nesse contexto - os barulhos do cotidiano fazem as pessoas valorizarem momentos em que é possível perceber a inexistência de ruídos. Mas e quando o mundo está calado e a ausência dos sons é a única opção? Para as pessoas que possuem algum tipo de deficiência auditiva, conviver com o silêncio é a realidade de cada um deles. Quando um bebê nasce e a família recebe o diagnóstico de que a criança possui um tipo de deficiência auditiva por meio do teste da orelhinha (Triagem Auditiva Neonatal), os pais e parentes próximos entendem que, a partir daquele momento, eles terão de se preparar e se adaptar à realidade daquela criança, para futuramente terem condições mínimas de se comunicar por meio da Linguagem Brasileira de Sinais.

Mas enquanto os familiares se adequam dentro de casa ao “mundo” de um surdo, o ambiente externo não. Por isso é comum ver crianças surdas inseridas no contexto de escolas de ensino regular. Um ambiente estranho à rotina daquele aluno, que foi educado e aprendeu tudo por meio da linguagem de sinais. E quando o ensino é inadequado, aprender pode se tornar um labirinto sem saída.

Aprendizagem

As disciplinas acadêmicas ensinadas nas escolas regulares são baseadas na língua portuguesa, uma segunda língua para o estudante com problemas na audição. Por isso, para alguns profissionais que trabalham com a educação em libras, a forma de ensinar uma criança surda é equivocada. Porque um aluno com problemas auditivos, inserido em uma escola regular, não conseguem interagir com os colegas, aprender o conteúdo e se desenvolver academicamente.

Para Marcos de Brito, presidente da Apada (Associação de Pais e Amigos de Deficientes Auditivos), um caminho para reduzir essas divergências de ensino é priorizar espaços próprios em que o surdo possa trabalhar a linguagem de sinais com o educador. Outra alternativa é a inclusão de professores com a mesma deficiência. “Nós defendemos que existam professores surdos, porque eles sabem quais são as dificuldades que esses alunos têm. Então esse profissional, melhor do que ninguém, pode contornar essas dificuldades de viver num país onde se fala uma outra língua que não a sua”, comenta.

A Apada surgiu em 1975, quando pais de surdos da cidade se reuniram para criar a associação ao perceber que os filhos não interagiam com outras crianças ou portadores de necessidades específicas, e que a sociedade não era inclusiva. No ano 2000 começou a trabalhar o bilinguismo para os surdos, contando com a colaboração da secretaria de Educação, que fornece professores para a associação, mediante termo de cooperação. Atualmente, 11 professores cedidos colaboram no trabalho com surdos egressos da escola, que nunca estudaram e que nunca tiveram contato com outros surdos. Até o mês de Agosto deste ano, 288 portadores de necessidades específicas procuraram a Associação de Pais e Amigos de Deficientes Auditivos, localizada no Conic, em busca dos serviços oferecidos à população.

Segundo Marcos de Brito, o progresso no cenário da educação para surdos avançou 5%, mas faltam os outros 95%. “Dependendo do grau de surdez e da condição do aluno, ele termina o ensino médio como analfabeto funcional. Ou seja, ele foi sendo empurrado, tem um conteúdo muito raso e depois que termina o ensino médio não consegue fazer uma faculdade, passar em um concurso público. Sempre foi um equívoco a forma que se ensinou a esse surdo.”, afirma.

Segunda Língua

No dia 24 de abril de 2002, Fernando Henrique Cardoso, então Presidente da República, oficializou a Linguagem Brasileira de Sinais como a segunda língua oficial do país por meio da lei nº 10.436. O artigo 4º garante o ensino de libras como parte integrante dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). Mas tal medida só foi formulada de maneira correta e colocada em prática 12 anos após o decreto. O Plano Nacional de Educação (PNE) de 2014-2024 reconheceu, em âmbito nacional, a necessidade da implantação de escolas bilíngues, em que o aluno surdo tem a formação acadêmica aplicada na língua dele. 

No Distrito Federal, a lei nº 5.016 de 11 de janeiro de 2013, estabelece diretrizes e parâmetros para o desenvolvimento de políticas públicas educacionais voltadas à educação bilíngue para surdos, a serem implementadas no âmbito do DF. De acordo com censo, realizado em 2015 pela Secretaria de Educação, 1.485 alunos com surdez ou problemas auditivos estão matriculados nas escolas públicas do DF.

Para ser uma alternativa aos obstáculos e retardos na educação, e amparada pela lei nº 5.016, a Escola Bilíngue Libras e Português Escrito de Taguatinga iniciou os trabalhos em julho de 2013, no lugar da antiga Escola Classe 21, se tornando a primeira escola bilíngue pública do Brasil. Da escola antiga só o que restou foi a instalação, porque toda a metodologia de ensino foi alterada. O trabalho pedagógico da escola é voltado para surdos, deixando para trás os problemas mencionados anteriormente na reportagem, a fim de proporcionar aos alunos da escola bilíngue um ambiente ideal para o aprendizado.

Cartazes da escola possuem instruções em libras
São 39 professores, incluindo uma educadora surda, distribuídos em cinco etapas de ensino dentro da escola, oferecidas em educação infantil e turmas multisseriadas, estimulação linguística precoce com alunos de 2 e 3 anos, classes bilíngues de anos iniciais e finais e turmas de ensino médio. Além disso, acompanham aulas na instituição sete turmas remanescentes da Escola Classe 21, que por sua vez, também são lecionados com a linguagem de sinais. Turmas de terceiro segmento, ou Educação de Jovens e Adultos (EJA) ocupam as atividades noturnas da instituição.
Com parte acadêmica diferenciada, conteúdos ministrados durante as aulas aproveitam recursos visuais, como a utilização de Datashow e Powerpoint. Todo o trabalho é pensado com antecedência para explorar imagens, o que contribui para melhorar a assimilação didática dos alunos.

Resultados

A diretora da Escola Bilíngue de Taguatinga, Maristela Batista de Oliveira, explica que a disposição espacial dos alunos em sala de aula é um fator importante nas salas menores em relação às escolas regulares. “Ela é organizada em 'U' para que o aluno não perca nenhum tipo de informação visual que o professor passa e que ele possa também interagir com o profissional que está ali”, relata.

As avaliações, além de serem aplicadas de forma escrita, são apresentadas aos estudantes por meio de vídeos em linguagem de sinais. A escola dispõe de um estúdio de gravação, onde os professores podem solicitar com o responsável técnico a elaboração dos materiais didáticos que serão utilizados com as turmas. E mesmo sendo a única escola bilíngue pública, a demanda por vagas não é grande, o que proporciona vagas suficientes para a população.

Organização em "U" auxilia no visual dos alunos com professores
Maristela ressalta que as medidas adotadas para fornecer um ensino de qualidade aos deficientes auditivos contribuíram para obter resultados gratificantes com os estudantes do ensino médio. “Os nossos alunos estão passando no vestibular. Em 2015, 11 entraram para a universidade. Nós tivemos uma aluna que passou pelo Enem e PAS, então ela pôde escolher e hoje faz o curso de Letras-Libras na UnB.”, comenta a diretora. No simulado do Enem, realizado na escola, os estudantes surdos conseguiram alcançar notas acima da média da avaliação, o que resultou um sentimento de orgulho por parte da direção. “Ele estão retendo mais conhecimento, estão aprendendo mais. O aluno tira suas dúvidas, ele pergunta, conversa e discute. É o protagonista, todas as atividades são voltadas para ele”, afirma Maristela.

Antes da criação da lei 5.016 e da inauguração do conceito da escola bilíngue, o Centro Educacional da Audição e Linguagem Ludovico Pavoni (CEAL-LP) trabalhava com a alfabetização de crianças surdas na 909 Norte. Porém, desde 2008, foi impossibilitado de exercer essa função por uma determinação do MEC. O padre italiano Giuseppe Rinaldi, também conhecido com “Padre José”, explica como foi recebida a notícia pela instituição. “Nós fomos proibidos de ter escola especial aqui, e isso foi um baque muito grande. Porque nós tínhamos até a alfabetização. O MEC fala que não pode existir escola especial, porque toda escola têm que ser inclusiva. E nossa associação de pais está lutando contra isso. Porque se o Centro de Ensino Especial de Deficientes Visuais (CEE DV) conseguiu reverter isso, se a escola bilíngue de Taguatinga conseguiu reverter isso, porque nós não podemos?”, afirma o diretor da instituição.

O CEAL, que hoje também faz atendimentos por meio de convênio com o Sistema Único de Saúde (SUS), mantém uma parceria que recebe professores da Secretaria de Educação, fornecendo apoio pedagógico aos alunos. Mas o diretor do Centro Educacional da Audição e Linguagem, Ludovico Pavoni, alerta para os problemas que somente um acompanhamento pedagógico pode acarretar sem a instrução correta por parte das escolas. “Os nossos alunos estão encontrando uma dificuldade muito grande lá fora. E ter só um apoio pedagógico aqui, muitos estão perdendo, porque alguns dão conta, outros não. E muitos seguem lá e não têm uma alfabetização firmada, efetiva. E isso gera problemas que quando vão ser resolvidos?”, indaga Padre José.

Em nota, a Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal (SEEDF) informou que oferece educação bilíngue aos estudantes surdos, em Libras e Língua Portuguesa escrita, conforme a Lei 10.436/2002, regulamentada pelo Decreto 5.626/2005. Os estudantes recebem escolarização em um turno e Atendimento Educacional Especializado no turno contrário. A SEEDF orienta que cada Coordenação Regional de Ensino ofereça a educação bilíngue em escolas-polo, dos anos iniciais, finais e do ensino médio. Segundo a secretaria, a organização em polos proporciona o agrupamento dos estudantes com seus pares, o que permite maior desenvolvimento da língua de sinais e acesso a profissionais mais qualificados. Além disso, é preciso que haja um banco de profissionais qualificados, efetivos ou de contrato temporário, com fluência comprovada em Libras e aptidão recebida por meio de procedimento avaliativo, a fim de que possa suprir as lacunas no ensino no momento em que faltarem profissionais.

Por Bruno Silveira